Brasil-Europa: Notícias atuais da organização de estudos de processos culturais em relações internacionais - A.B.E.

Brasil-Europa
Notícias atuais
Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (NG)
Academia Brasil-Europa (A.B.E.)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S.e.V.)
 
 

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30.11.2014

Istanbul. Pela visita do Papa à Turquia - criar pontes, não muros. Exposição sobre João XXIII no átrio da basílica de Santo Antonio e a perspectiva cultural nos desenvolvimentos eclesiais. A visita do Papa Francisco à Turquia merece ser considerada com atenção nos estudos culturais voltados ao presente por diversos motivos. A sua modéstia, os seus procedimentos e pronunciamentos trazem à lembrança o significado do Franciscanismo na Turquia, vindo de encontro aos trabalhos desenvolvidos no corrente ano relativamente à atuação dos Franciscanos no Brasil (Veja). Ela traz também à consciência os empenhos dos últimos pontífices em estabelecer boas relações com autoridades do país muçulmano e de pontes com as outras igrejas cristãs.


Na Igreja de Santo Antonio, lê-se uma placa colocada pelo Papa Bento XVI por ocasião do centenário da basílica em dezembro de 2006,cujas palavras se referem à estátua levantada ao Papa João XXIII no átrio da igreja, cognominado de o „amigo do povo turco“. O monumento foi criado pelo escultor italiano Carlo Balljana, de Treviso.


De 4 de janeiro de 1935 a 27 de dezembro de 1944, Angelo Giuseppe Roncalli foi delegado apostólico na Grécia e Turquia, com sede em Istanbul. A sua estadia foi marcada pelas boas relações que criou com as autoridades locais, com base em mútuo respeito. Diplomático, com voz suave e amiga, entrou na história como tendo amado a Turquia e ter sido bem quisto pelos turcos. Adaptando-se, por exemplo, à lei de 1935 que impunha a todos os religiosos que trajassem civil, dizia que não era o hábito que fazia o monge. 


O importante seria o de trabalhar todos os dias com muita calma espiritual, mas „como uma formiga“. O acento dado pelo Papa Francisco ao „construir pontes“ corresponde àquele formulado expressamente por João XXIII: levantar uma ponte - não um muro -  sobre o Bósporo, entre turcos e gregos, entre católicos e ortodoxos, entre maomentanos e judeus.


Quando o presidente da Turquia o visitou no Vaticano, em 1959, João XXIII recordou as vivas impressões e as boas lembranças que trazia dos dez anos que passou na Turquia. Em primeiro lugar, as belezas naturais; nos anos que ali passou, percorreu com admiração locais cujos nomes são célebres na história, assim como os tesouros de arte e de cultura acumulados no país através dos séculos.


Essas menções salientadas na exposição despertam a atenção a uma possível influência dessa vivência na Turquia no Pontificado de João XXIII e que foi marcado sobretudo pelo Concílio, de tanto significado para o desenvolvimento não só eclesiástico, mas também cultural, sobretudo de países de grande população católica como o Brasil.


Em exposição de fotografias visitada durante o ciclo de estudos eurobrasileiros desenvolvido na Turquia no corrente ano, apresentam-se documentos e imagens das décadas que o Papa João XXIII passou na Turquia. A simpatia que granjeou era devida a uma modéstia, simplicidade e alegria que vinham de encontro ao ambiente franciscano que predominava no meio católico turco, como demonstrado em fotografia em meio aos muitos religiosos que ali atuavam.Uma delas o mostra junto a um grupo de crianças de Adampol, uma aldeia habitada por poloneses, em 1935. Importante data na história das relações ecumênicas foi a celebração do XV Centenário da trasladação de S. João Cristóstomo, no dia 30 e janeiro de 1938.



29.11.2014

Istanbul. Igreja de Santo Antonio (de Pádua/Lisboa) e o Franciscanismo na Turquia em paralelos com o Brasil. A visita do Papa Francisco à Turquia, que decorre sob o signo do Ecumenismo relativamente à Igreja Ortodoxa, traz à consciência não apenas o remoto passado cristão anterior à tomada de Constantinopla, como também a presença cristã no país da atualidade.


Considerar a existência e a vida cultural sobretudo de católicos e evangélicos em Istanbul adquire para os estudos relacionados com o Brasil particular significado, uma vez que são nesses círculos que se constatam vínculos pessoais e culturais mais estreitos.


Durante o ciclo de estudos realizado pela A.B.E.em Istanbul  em setembro do corrente ano, esses vínculos foram constatados na igreja de Santo Antonio de Pádua (ou Lisboa), a maior igreja católica da Turquia. Essa basílica encontra-se - ainda que em pátio recuado - numa das ruas mais centrais e movimentadas de Istambul, no bairro Beyyolu.


Conhecida também como igreja italiana, remonta a uma construção do século XVIII, sendo porém reconstruída em 1913 pelo arquiteto Giulio Mongeri. O seu estilo neo-gótico de tijolos de cerâmica vermelhos sugere construções da Itália medieval.


Levantado assim pouco antes da Primeira Guerra, esse edifício surge como um testemunho da importância da vida ocidental em Istambul na época e da irradiação do Historismo europeu e do Restauracionismo católico.


Ela lembra também a secular história das relações comerciais entre as cidades italianas e a Turquia, a ponto de ser a torre designada como de Gênova até hoje um dos marcos da cidade.


A dedicação da igreja e os edifícios adjacentes documentam também o papel desempenhado pelos Franciscanos na missão turca. O culto a Santo Antonio surge particularmente sensível no contexto turco, uma vez que a história do santo português é marcada pela sua ida ao Norte da África em época de perseguição de cristãos pelos mouros.


Coincidindo a visita da A.B.E. à igreja à época da preparação da edição da Revista Brasil-Europa 151, dedicada à popularidade do Franciscanismo no atual Pontificado e à atuação dos Franciscanos na restauração religiosa no Brasil, em particular também nos anos que precederam à Guerra (Veja), evidenciou-se a concomitância e similaridade dos desenvolvimentos em ambos os países.



28.11.2014

Lisboa. Paz e Serenidade: Cerâmicas Song da Colecção Qingjintang. O Centro Científico e Cultural de Macau, I.P., com o apoio do Ministério da Educação e Ciência e da Fundação Jorge Álvares, anuncia a inauguração da exposição Paz e Serenidade: Cerâmicas Song da Colecção Qingjingtang a ter lugar no dia 9 de Dezembro de 2014, às 18h30. O comissário da exposição, Professor Robert D. Mowry, curador emérito de arte chinesa do Museu Arthur M. Sackler (Museus de Arte de Harvard) proferirá uma conferência na ocasião. (Enio Souza)



27.11.2014

Bruxelas. Artview02: A Vision of Contemporary Art e o Atomium: interações disciplinares e interculturais na criação Industrial - na dança contemporânea e no ópera. RockGrowth de Arik Levy (*1963). Há 10 anos, a obra de Arik Levy tornou-se mais amplamente conhecida no Brasil em exposição (Iluminar) da Fundação Álvares Penteado em São Paulo. No corrente ano, constitui centro de atenções no âmbito dos estudos de desenvolvimentos atuais no âmbito da estética em processos culturais internacionais da A.B.E. (Veja notícias anteriores), levando a uma visita à exposição „Uma visão de Arte Contemporânea“ no Atomium de Bruxelas.


O artista, - desenhista industrial, fotógrafo, de design de palcos e de filmes, tem o seu centro de vida e trabalho em Paris. Ali inaugurou, em 1997, com Pippo Lionni, artista americano, o estudio LDesign, onde atuam outros desenhistas industriais e artistas gráficos. A sua obra caracteriza-se por multiplicidade de aproximações e campos de expressão, salientando-se sobretudo no campo do design - de mobílias, de interior, gráfico, de instalações de luz e de moda tecnológica para o Extremo Oriente. Nascido em Tel Aviv, onde possuiu um estudio de design gráfico - e uma loja de surf - transferiu-se para a Europa após ter participado em exposição de grupo em escultura, onde estudou Desenho Industrial no Art Center Europa em La Tour de Peilz na Suíça. 1991.


O seu renome internacional foi possibilitado pelo fato de ter ganho um concurso de Seico Epson Inc., atuando no Japão. A seguir, atuou como docente na Ecole Nationale Supérieur de Création Industrielle, em Paris. Na Europa, tornou-se conhecido sobretudo por trabalhos de design para ópera e dança contemporânea, entre outros para o Grand Théâtre de Genève, o ballett nacional da Finlandia e companhia de dança de Israel.


Arik Levy não apenas contribui com as suas criações para a configuração de espaços interiores e exteriores e ambientes da atualidade, como também para a discussão estética. Algumas de suas expressões denotam a sua experiência do mundo como surfista. Assim, a exposição em que participou em Berlin, no mesmo ano de sua amostra no Brasil, seguiu o lema „pensar com o coração e sentir com a onda“. A sua compreensão de vida como um sistema de signos e símbolos vem de encontro às preocupações culturológicas de análise de estruturas, mecanismos e sentidos do edifício cultural, como desenvolvidas pela A.B.E.


A presença do artista no Atomium não se limita à exposição de suas obras e narrativas do passado no interior dos espaços. Com a sua escultura - o monumental RockGrowth em vermelho e com faces terminais refletoras - fora e abaixo do Atomium, Arik Levy criou interações entre o Atomium, o espaço envolvente e os visitantes que, de diferentes nações, o visitam, entre êles muitos brasileiros. Outras esculturas ao ar livre possibilitam visões do Atomium e aproximações visuais e emocionais ao vir-a-ser das suas concepções, processo criador e discurso, marcados por desenvolvimento, crescimento, alegria e energia: uma massa opaca à cratera vermelha de sentimentos internos e  á transparência e expansão interminável do RockGrowth.



26.11.2014

Istambul. Istanbul Modern e Plurivocalidade: relações entre artes da audição e visuais. Análises e reflexões concernentes às relações entre música e artes visuais vem marcando desde o início dos anos 70 do século XX os estudos culturais brasileiros na corrente que hoje é representada pela A.B.E.. A atenção a essas relações partiram de músicos-arquitetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e dos cursos de Estética e  Etnomusicologia da então Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo.

Nesse desenvolvimento, inseriram-se os primeiros cursos que relacionaram música, arquitetura e artes visuais no Brasil e na Europa. O tema foi tratado em seminários de universidades alemãs realizados em cooperação com a A.B.E./I.S.M.P.S..


A linguagem simbólica dos instrumentos foi desde o início importante campo de estudos de renovação de perspectivas organológicas (Veja), levando a publicações, colóquios e mesmo à fundação de sociedade de Antropologia da Música, em 1983. A maior expressão dessa preocupação foi o tema „Música e Visões“ para o congresso de abertura dos trabalhos científico-culturais pelos 500 anos do Brasil.


Na atualidade, registra-se um despertar de interesses por essas relações em vários países, o que se manifesta em diferentes eventos e que, a partir da diversidade de contextos, abrem novas perspectivas para o tratamento do tema. Em 2014, uma dessas iniciativas foi o Swarm Festival Internazionale di Musica e Arti Visive levado a efeito na Sicília, no qual a música do Brasil esteve presente através dos Ninos du Brasil (Veja notícia anterior).


Um outro contexto cultural totalmente distinto e que em muitos casos não é suficientemente considerado relativamente a desenvolvimentos estético-musicais contemporâneos, é o de Istambul. A consideração da Turquia nos estudos culturais tem sido por demais demais voltadas ao passado e a questões que acentuam as diferenças religioso-culturais e étnicas do país relativamente ao Ocidente.


A atenção dirigida a processos na sua dinâmica atual e nas suas dimensões que ultrapassam as fronteiras da Turquia passou a caracterizar as aproximações euro-brasileiras dos últimos anos, o que se manifestou nos trabalhos de 2013 na Capadócia (Veja) e no corrente ano no Mar Negro (Veja notícias anteriores) e em Istambul.


Correspondentemente à surpreendente vitalidade que se observa em Istambul, que coloca essa „capital cultural“ da Turquia à altura das mais dinâmicas cidades da Europa, ali se considerou, no âmbito do Istanbul Modern - um empreendimento que já se encontra no seu décimo ano de existência -, a exposição Plurivocalidade.


Essa exposição dedicada à arte contemporânea turca que se ocupa com relações entre artes sonoras e visuais tem lugar no Istanbul Museum of Modern Art, uma instituição particular criada em 2004 e que tem procurado fomentar a integração da Turquia em desenvolvimentos da arte e da reflexão estética internacional da atualidade.


Reconhecendo os elos entre artes visuais e sonoras no passado e no presente, a exposição procura trazer à luz o papel que a música desempenha no processo criador tanto no referente ao indivíduo como à sociedade. O visual e o auditivo não são compreendidos como duas esferas distintas da percepção, mas como dois campos de um complexo, o que se manifesta em instalações, videos, pinturas e esculturas. Sound e música são tratados visualmente quanto a seus sentidos, indicando as suas possibilidades metafóricas, trazendo à consciência a influência da música em realizações visuais.


De início, sob o lema Repertório, a exposição estabelece relações históricas, sócio-culturais e políticas através de expressões artísticas do passado, do Imperio Otomano até os anos 80.  O som e a configuração visual de instrumentos são utilizados de forma privilegiada em obras expostas. Um harmonio do século XIX estabelece relações com questões da prática musical de mulheres na Turquia. Em evento concomitante à exposição, onde executam-se obras da primeira compositora turca, vários instrumentos soam segundo a sua função em processos sócio-culturais. Estabelece-se aqui uma ponte à música de órgão e à eletrônica.


Um outro campo temático investigado é o dos sons do mundo do trabalho, criando-se uma fábrica sonora através de címbalos e outros instrumentos. A questão da música corporal e os sentidos do bater e percutir no corpo chama a atenção a aspectos músico-antropológicos, uma vez que instrumentista e instrumento se fundem, o homem surgindo como instrumento e o instrumento como representação do homem.



22.11.2014

Donnafugata/Ragusa/Sicilia. Swarm Festival Internazionale di Musica e Arti Visive - Ninos du Brasil (Itália). Um dos acontecimentos significativos para estudos euro-brasileiros voltados a processos culturais da atualidade e do papel do Brasil na World music foi a realização do primeiro Swarm Festival no Castelo de Donnafugata, na Sicilia, no dia 12 de agosto de 2014. Este castelo é uma dos mais magníficos bens arquitetônicos do sul da Itália.


Três palavras-chave determinaram a concepção do festival: taste, watch, listen. Sob o primeiro moto realizou-se a primeira parte da jornada, das 18 :00 às 21:00 horas, quando foram oferecidas comidas típicas da região com o apoio de produtores regionais e acompanhamento musical. Sob o segundo conceito, entendeu-se a visita dos espaços do magnífico edifício, onde foram expostas obras e exposição fotográfica de artistas locais. O „watch“ foi cumprido também com um video do coletivo Pixel Shapes.


O mais relevante acontecimento sob o aspecto euro-brasileiro foram os eventos conduzidos pela expressão „listen“. Para cumprir o objetivo do festival de fomentar uma música eletrônica que conjugue pesquisa e energia de música de dança, convidou-se entre outros o duo italiano Ninos du Brasil. Esse duo é constituido por Nico Vascellari e Nicolò Fortuni, que desenvolvem um projeto sonoro que relaciona rítmos brasileiros - samba, batucada -  e impulsos musicais „post punk“ e ruídos. O duo Ninos du Brasil desenvolve na atualidade intensa atividade em clubes e festivais, entre outros Club to Club, Robot Festival, e Dancity Festival. A apresentação do duo Ninos du Brasil deu-se paralelamente a de outros grupos que representam novas tendências na música eletrônica, como de Kangding Ray e David Lettelier, onde as relações entre a música e a arquitetura se manifestam em instalações e projetos sonoros em estética orientada segundo novos meios digitais e analógicos.. Outros grupos representados foram Elektro Guzzi e Kode9. A produção do italiano Ninos du Brasil merece especial atenção nos estudos euro-brasileiros de World music, exigindo aqui diferenciações quanto a grupo de mesmo nome de Zaragoza, inspirado em filme brasileiro.



20.11.2014

Barcelona. Parque Güell - monumento da história da arte, arquitetura e urbanismo do Modernisme nas suas relações com a Natureza revisitado. Lembrando Antoni Gaudí (1852-1926). O parque Güell em Barcelona assume no corrente ano particular significado para os estudos culturais, em particular daqueles que vêm sendo conduzidos no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E..


A razão desse significado reside na atenção que desperta a Catalunha no presente devido à intensidade de suas manifestações de consciência histórica e identidade cultural próprias, distintas daquelas da Espanha centralizada em Madri, expressas em ações culturais e políticas.


Essa situação é de relevância para os estudos relacionados com o Brasil, uma vez que traz à consciência a necessidade de maiores diferenciações na consideração da imigração ibérica no Brasil e, em geral, da história cultural em relações Espanha-Brasil.


Essa atenção à Catalunha vem de encontro às preocupações pelo desenvolvimento de uma ciência da cultura de orientação ambiental e que marcaram muitos trabalhos desenvolvidos pela A.B.E. em 2014 (Veja notícias). Uma das expressões de maior evidência e significado da feição própria da cultura catalã se manifesta nas artes e na arquitetura nos seus elos com o mundo natural.


Indicando a intensidade da reconscientização pelas próprias características na Catalunha na segunda metade do século XIX e início do XX (Renaixença), o Modernisme catalão - a ser considerado em paralelos com outras expressões da Art Nouveau/Jugendstil em outras regiões européias e no Brasil - surge como uma das principais marcas arquitetônicas da imagem de Barcelona no presente. Nome conhecido internacionalmente dessa época da arquitetura do Modernisme é Antoni Gaudi , merecendo ser relembrado no âmbito dos estudos de relações Cultura/Natureza.


Nesse sentido, revisitou-se uma de suas obras mais significativas, o Parque Güell, situado em encostas elevadas de Barcelona, permitindo um amplo panorama da paisagem da cida a partir de sua inserção na natureza. A primeira consideração do Modernisme no âmbito dos estudos euro-brasileiros de arquitetura comparada e de orientação cultural dera-se em 1975, sendo essa primeira visita seguida por outras nas décadas seguintes.


O terreno, adquirido em 1885 pelo industrial Eusebi Güell (1846-1918) que apoiava Gaudí, foi destinado à criacão de uma cidade-jardim, na qual o morar urbano e o viver em meio à natureza não constituissem oposições, mas se interrelacionassem de forma simbiótica. Assim como outros projetos urbanos comparáveis com essas intenções - como o de Hagen, na Alemanha (Veja notícia) -, o projeto, que previa a construção de muitas dezenas de mansões, não pôde ser completado nas suas dimensões, levantando-se apenas um grande jardim e dois edifícios. Iniciado em 1890, foi inaugurado como parque em 1922.


Atenção especial merece os elos internacionais da „renascença“ catalã em época de desenvolvimento econômico da cidade em fins do século XIX, uma vez que coincidiu com a Exposição Mundial ali realizada em 1888. Assim como em outras expressões paralelas do Jugendstil/Art Nouveau, a estética do Modernisme salienta-se pelo significado emprestado ao artesanal e ao industrial numa concepção de simbiose das várias expressões artísticas, adquirindo assim relevância também para uma história do design. Consequentemente, a atenção do observador das obras de Gaudí, em particular o Parque Güell, é despertada não apenas pelas configurações maleáveis da arquitetura e dos espaços, mas sim e sobretudo pelo uso de trabalhos de ferro e de mosaicos, estes criados com cacos de cerâmica. Essa técnica, utilizada em outros contextos histórico-culturais - não só europeus -, também foi de significado para o Brasil, lembrando-se aqui do interesse que despertava na Imperatriz Dna. Teresa Cristina (1822-1889), cuja memória é relembrada no corrente ano pelos 125 anos de sua morte. (Veja notícia de 20.08.2014)


A rememoração do Modernisme no âmbito dos estudos culturais de orientação cultural do presente, trazendo à consciência as suas características contrastantes com concepções e estilos anteriores do historismo, não pode também deixar de considerar as reações contrárias que se seguiram, em particular do Noucentisme, e que passaram a salientar valores como clareza, formas racionais e funcionais na arquitetura.


A discussão ganha hoje em atualidade, uma vez que traz à luz a necessidade diferenciações relativas a intentos de criação arquitetônica e artística de orientação ecológica do presente. Concepções orgânicas na linguagem da arquitetura e nas artes - observáveis em certas tendências da arquitetura verde ou inspirada em formas da biologia - não significam necessariamente soluções efetivas para problemas cruciais das relações responsáveis do homem com a natureza.



19.11.2014

Galíza e Madeira. Isabel Rei Samartim: A viola no século XIX: música de salão na Madeira. Patrocinado pelo Govêrno Regional da Madeira, a guitarrista e pesquisadora galega Isabel Rei Samartim lançou um CD que surge como contribuição de grande relevância para os estudos musicais do mundo de língua portuguesa de orientação cultural. É desde já obra indispensável para estudos da história da recepção musical em relações internacionais.


O CD apresenta músicas contidas em dois cadernos manuscritos encontrados em Funchal pelo musicólogo e alaudista Manuel António de Jesus Morais. As partituras foram editadas pela Direção Regional de Educação, através dos Serviços de Educação Artística e Multimédia sob a direção geral do Dr. Carlos Gonçalves e coordenação do Dr. Paulo Esteireiro. Técnico de som foi o Dr. Eduardo Gonçalves.


Nesses cadernos, encontram-se mais de cem peças para viola, incluindo duos e música para voz e viola. Trata-se de um conjunto constituído por fantasias, sonatinas, canções, exercícios e temas com variações para o instrumento ou em arranjos, denotadoras da recepção da música italiana, de ópera e de música de dança, em grande parte anônimas.


O CD, inclui quarenta faixas, além de uma valsa da coleção de peças para machete (1846, ed. 2009) do madeirense Cândido Drumond de Vasconcelos, gravada com braguinha. Isabel Rei Samartim interpreta as seguintes peças: Fantasia sobre a ária „Nel cor più non mi sento“ de G. Paisiello, Rondos, „Sul margine d‘un rio“ (Tema com variações) de Sigismund von Neukomm, Danças (Veneziana, Africana, Pastoril), O Dolce Concento (Tema com variações), Valsas (Primi Passi, Valter, de E. Corosio; Valse del Sig. Fortunato de Napoli e.o.), Ária com Explicações (Tema com variações, com outras peças: Polca Mazurca arr. por M. J. M. Cabral, Bolero Sevilhano, Moderato e Traviata Brindes de G. Verdi/A.J. Ribas), além da Waltz de C. D. de Vasconcelos.


Isabel Rei Samartim, que realizou estudos de viola na Galícia e na Alemanha (Weimar), é professora no Conservatório Profissional de Música de Santiago de Compostela. Desenvolve intensa atividade como concertista e pesquisadora, tendo realizado recitais em vários países europeus e no Brasil. Detentora de vários prêmios, publicou em 2010, juntamente com J. L. do Pico Orjais, o cancioneiro popular „Ayes de mi país“, de Marcial Valladares (Ed. Dos Acordes), preparando a edição e gravação do acervo da família Valladares (de Vilancosta). Na sua tese de doutoramento, tratou do tema „A Guitarra na Galiza“. Em 2012, participou na edição do caderno „A música dos seis poemas universais“ de Ernesto Guerra da Cal (Ed. Dos Acordes/AGLP)., assim como na edição de Proel e o Galo, Poesia e prosa galega completa, de Luís Amado Carvalho (Edições da Galiza). Em 2014, participou do Congresso da Cidadania Lusófona, em Lisboa, interpretando obras galegas reveladas nas suas pesquisas.


O CD foi apresentado oficialmente no dia 1 de outubro no Museu das Cruzes, Funchal, contanto com a presença do Diretor Regional da Educação, Dr. João Estanqueiro. Na ocasião, a guitarrista apresentou três peças do CD. No dia 2 de outubro, ofereceu um concerto no salão da Câmara Municipal, onde apresentou obras do CD pertencentes aos dois cadernos madeirenses, sete obras do Arquivo Valladares galego, musica manuscrita do século XIX, obras novas de autores galegos inéditas e três de autores brasileiros (Dilermando Reis, Egberto Gismonti, Heitor Villa-Lobos). As apresentações obtiveram grande ressonância na imprensa, como documentada em notícia do Jornal da Madeira de 5 de agosto de 2013. assim como em emissões da Rádio Televisão Portuguesa (RTP Madeira) de 1 e 3 de outubro. O CD pode ser adquirido através do site português areavirtual.



18.11.2014

São Paulo. Diaspora Mousiké - Orquestra de Cordas - 25 de novembro. O Consulado Geral da República Federal da Alemanha de São Paulo e o Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE convidam para a apresentação musical Diaspora Mousiké - Orquestra de Cordas, com músicos da cena musical paulista, grande parte pertencentes à Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) sob a regência de Gustavo Brinholi e tendo como solista o tubista alemão Andreas Martin Hofmeir.


A apresentação terá lugar no Espaço Sociocultural - Teatro CIEE (Rua Tabapuã, 445 - Itaim Bibi - São Paulo) e constará das seguintes obras: Sonata per archi - Hans Werner Henze; Divertimento para Orquestra de Cordas - Bela Bartók; Ecce Homo (Tuba e Orquestra de Cordas) - Armando Lobo e Matkalla (Tuba e Orquestra de Cordas) - Jörg Duda. Inscrições são gratuitas mas limitadas, devendo ser previamente feitas através do site do ciee.org. (eventos).



16.11.2014

Sitges. Significados culturais de cidade de praias procurada pela sua atmosfera de abertura e tolerância. Assim como Ibiza (Veja notícia de 13.11.), Sitges, próximo a Barcelona, é uma das cidades do Mediterrâneo onde se constata uma particularmente forte presença de visitantes brasileiros, portugueses ou lusófonos em geral. O português pode ser ouvido por todos os lados e um dos mais conhecidos bares da cidade, o Maringá, traz com o seu nome constantemente a lembrança do Brasil.


Essa presença sul-americana é também argentina, sendo Sitges sede de um Festival Internacional de Tango Argentino. Como centro de festivais e eventos esportistas internacionais, Sitges destaca-se por um Festival de Filmes de Fantasia, por um rallye de carros antigos ou por competições de xadrez.


Assim como Ibiza, Sitges não é certamente procurado por brasileiros e portugueses apenas pelas suas muitas praias e suas pequenas baías protegidas por rochas, decantadas pela qualidade de sua areia e água, mas que não podem concorrer com aquelas do Brasil e de Portugal. A razão dessa procura reside na atmosfera marcada por tolerância e liberdade que ali predomina, e que fazem de Sitges uma das cidades de praias da Europa mais procuradas por gays de todo mundo.


Essa imagem de Sitges é confirmada pelos seus bares, restaurantes e discotecas, onde a presença de brasileiros e da música do Brasil é comum, e sobretudo no seu carnaval, um dos mais famosos do globo.


Com as suas características, o carnaval de Sitges adquire especial interesse para os estudos culturais comparados de tradições populares ou de folclore: a soberania da cidade pelo Carnestoltes, o rei do Poca-soltes, da rainha do carnaval, por muitas expressões festivas e pela culinária típica das Xatonades, ocasião de monólogos e chistes. As festividades ocorrem não só em diferentes clubes da localidade, como o Casino Prado Suburense, o Ateneu Popular, o Paulau del Rei Moro, o Salón Teatro del Retiro, Societat Recreativa El Retiro ou l‘Agrupació de Balls Populars,  mas nas ruas, - também no sentido simbólico de Rua de Disbauxa e de Rua l‘Extermini - com cortejos marcados por expressões de sátira e crítica social e cultural.


O carnaval de Sitges possibilita múltiplas comparações com tradições de remotas origens de outras regiões, por exemplo quanto à leitura do Predicot a todos os „vilãos e vilanas“, ou o enterro do Carnestoltes ou da Sardinha e a chegada da Senhora Quaresma. Tudo indica que, como em outras regiões, antigas tradições carnavalescas foram revitalizadas e reordenadas no século XIX, o que explicaria a participação de escolas e crianças, a eleição de uma rainha infantil e a visita das majestades a escolas e outras instituições. A presença do Brasil manifesta-se em grupos como o Markatú Escola de Samba de Sitges ou a Batukada Elegibé.


Para os estudos comparados de tradições, Sitges adquire significado também sob muitos outros aspectos, tais como pela sua festa de Corpus Christi com os seus tapetes de flores, e, em especial, pela Festa major no dia de São Bartolomeu que, com as suas figuras de gigantes e diabos, abre caminhos de extraordinária importância para o estudo da linguagem visual de expressões cíclicas do ano.


O significado de Sitges para os estudos culturais adquire atualidade devido à ressonância dos movimentos emancipatórios da Catalunha (Veja notícias anteriores). Estes trazem à consciência a necessidade de uma maior diferenciação cultural na Península Ibérica nos estudos respectivos, de consideração de suas particularidades e das razões histórico-culturais de identidades regionais e na sua dinâmica de transformações. Por demais indiferenciado tem sido o tratamento das relações Espanha-Brasil, por exemplo dos estudos relativos à contribuição cultural de imigrantes espanhóis no Brasil ou de processos culturais ibéricos nas suas extensões e interações no Brasil.


Sitges adquire aqui particular relevância, uma vez que foi importante polo intelectual e artístico na esfera de irradiação de Barcelona em época de intensificação da consciência de sua história e características culturais próprias em fins do século XIX e início do XX.


Como muitos outros balneários da Europa (Veja notícias anteriores), Sitges foi marcado por cosmopolitismo e intercâmbio de idéias e tendências criadoras, ali refletindo desenvolvimentos de outros centros ou dali surgindo impulsos que se irradiaram em outras regiões.


Fundamento desse significado de Sitges também não foi aqui de início o hidroterápico, o lazer e as suas praias, mas a sua função como antigo local de pescadores, de porto e de comércio marítimo. Este explica também os estreitos elos da Catalunha com o continente americano, em particular após decreto real que, no século XIX, possibilitou o comércio direto da Catalunha com as Américas. Testemunho desses elos são as mansões construídas por retornados do Novo Mundo nas praias de Sitges, exemplos significativos do „estilo moderno“ ou Art Nouveau e que, felizmente, impedem hoje uma maior desfiguração ambiental através da construção de edifícios de muitos andares na sua orla.


Esse significado histórico-cultural de Sitges é demonstrado em museus da cidade, salientando-se aqui o Museu del Cau Ferrat, Museu Romàntic Can Ilopis e o Museu Maricel. Uma das principais personalidades que marcaram Sitges como centro cultural foi Santiago Rusiñol (1861-1931) que, com as suas múltiplas aptidões criadoras, não pode deixar de ser considerado na história do Modernisme catalão nas suas relações com o redespertar da consciência de diferenciação regional. A sua memória é cultivada no museu estabelecido na sua casa (Cau Ferrat) e que foi, à época, centro de encontro de artistas e intelectuais.


A personalidade e a obra de Rusiñol - assim como as de Miquel Utrillo Marlius (1862-1934), traz à luz a necessidade de uma maior atenção aos elos entre o Modernisme catalão no âmbito do Art Nouveu/Jugend Stil e a consciência cultural regional, e sobretudo de uma maior diferenciação cultural ibérica quanto a seus elos com Paris.


A fascinação francesa pelo universo ibérico de fins do século XIX e início do XX tem sido reconhecida no seu significado para a compreensão do interesse pela América Latina em Paris e que favoreceu também os brasileiros que ali se formaram e atuaram. (Veja) A vida e a obra dessas personalidades catalãs trazem à consciência as diferenças culturais dos artistas e intelectuais ibéricos em Paris e também a exigência de uma maior atenção na análise de referências espanholas em obras de artistas e compositores franceses, seja Maurice Ravel (1875-1937) ou Claude Debussy (1862-1918).


A obra artística de Rusiñol mereceu particular consideração nos atuais estudos da A.B.E. voltados a relações entre cultura e meio ambiente pelo fato de revelar a atenção desse período do Modernisme catalão à natureza, o que se manifesta nas representações pictóricas de jardins da Espanha.



14.11.2014

Ibiza. Rotas comerciais e intercâmbios Mediterrâneo-Atlântico, seus fundamentos e irradiações transatlânticas - Nossa Senhora das Neves e S. Rafael. O reconhecimento da necessidade de análises culturais mais aprofundadas para a compreensão dos anelos emancipatórios da Catalunha no presente e que manifestam a força de uma consciência histórica e de uma identidade própria leva à consideração de um espaço geo-cultural que transcende atuais limites administrativos e que inclui o mundo insular no qual também se fala o catalão.

Há indícios que se encontra justamente nesse mundo marcado pelo mar, pela vida marítima e sobretudo pelo comércio marítimo chaves para a compreensão de complexos elos com determinadas regiões atlânticas da Península Ibérica e, daí, de processos que tiveram a sua extensão no continente americano.


A inclusão das salinas, da cidade alta e de áreas arqueológicas, em particular do antigo povoado fenício de Sa Caleta e da necrópole de Puig des Molins no rol dos bens patrimoniais naturais e culturais da Humanidade pela UNESCO em 1999 trouxeram a consciência o significado de Ibiza para os estudos dos fenícios, o povo das grandes navegações da Antiguidade.


Esses estudos levam a fundamentos da compreensão de edifícios culturais, uma vez que a extensão das viagens dos fenícios, que ousaram ultrapassar a esfera mediterrânea para entrar no Atlântico e mesmo trafegar pela costa africana, apenas tornou-se possível através de um profundo conhecimento das constelações celestes e, em particular, de critérios de orientação segundo o polo que se diferenciavam daqueles de outros povos. Os fenícios teriam fundado  já anos do ano 600 A.C. um entreposto comercial em Ibiza, como documentado em Sa Caleta, dedicado sobretudo ao comércio do sal.


A tradição milenar da navegação comercial da ilha é hoje celebrada em monumentos e quadros informativos, trazendo à luz os principais portos visitados pelas naves de Ibiza no passado medieval e séculos posteriores na Península Ibérica: Sant Felix de Guixols, Barcelona, Tarragona, Vinaros, Valencia, Alicante, Cartagena, Águilas e - para além do Gibraltar - os galegos de Vigo e La Coruña.


Um caminho para análises mais aprofundadas do edifício cultural desse universo marcado pelo mar e pelas longas viagens da esfera insular balear é o do estudo da linguagem visual transmitida através dos séculos pela religião.


Como outras cidades marítimas, o culto de Maria é intenso em Ibiza, o que é documentado já na dedicação da principal igreja da sua capital. Essa dedicação, porém, apresenta uma particularidade que possibilita diferenciações: o fato de ser devotada a Nossa Senhora das Neves.


Em decreto da autoridade episcopal da ilha, fixados em locais públicos, postes e lojas, estabelece-se o dever de celebração da sua data, o 5 de agosto. Visitantes externos -entre êles brasileiros - surpreendem-se em constatar tal devoção mariana relacionada com neve numa ilha tão quente como Ibiza. Por que não a Imaculada Conceição ou Nossa Senhora da Assunção, o 8 de dezembro ou o 15 de agosto como em muitas outras cidades de mar, como Marselha? (Veja)


Essa dedicação estabelece elos com a Basílica de Santa Maria Maggiore em Roma, com o relato da aparição de Maria em sonho a casal sem filhos e com o desejo de Maria de um igreja sobre a colina esquilinea. O grande sinal do local desejado para o templo foi o da neve em noite particularmente quente de verão.


O culto em Ibiza remete a atenção à definição de Maria como Mãe de Deus no Concílio de Éfeso (431) e à tradição do ícone que, considerado como protetor do povo romano, em particular em casos de doenças, é atribuído ao Evangelista Lucas e que teria sido trazido por Santa Helena em longa viagem marítima da Terra Santa.


Essa tradição, intensificada no século XIX, quando a imagem foi coroada pelo Papa Gregório XVI (1830-1846) com pedras preciosas após um epidemia de cólera em Roma, explica representações de Maria que se encontram na igreja de Ibiza, com naves nas mãos e rainha dos céus.


No ciclo de estudos realizado pela A.B.E., considerou-se que a tradição da imagem que teria sido pintada pelo Evangelista Lucas é também determinadora de significado de uma outra igreja em montanhas rochosas, a do ex-mosteiro de Sumela, em Maçka(Trabzon) na costa turca do Mar Negro, imagem hoje conservada na Grécia. (Veja notícia de 30.10.)


Nos estudos da linguagem visual contextualizados em Ibiza cumpre dar também particular atenção ao significado do arcanjo S. Rafael. Esse anjo é representado, com base na tradição e em referências bíblicas, com o peixe na mão e com o cajado de peregrino, indicando a sua invocação em situações que exigem cura -de corpo e espírito, assim como de viajantes e imigrantes, o que é compreensível em povo voltado a viagens de mar como o ibicense. Explica-se, neste contexto, o significado recente em Ibiza do culto do Papa João Paulo II, o grande viajante.


O culto angelical em Ibiza indica o significado de concepções relacionadas com a luz, e que possivelmente tiveram a sua disposição em remotas origens, nascidas de conhecimentos de povos navegantes que tinham que se orientar pelas luz do dia e pelas estrêlas à noite e que, norteados pela Ursa minor que gira ao redor do polo dos céus, ousaram penetrar no Atlântico.



13.11.2014

Ibiza. Só ilha de divertimentos? Patrimônio da Humanidade da UNESCO nos seus múltiplos significados para os estudos culturais. A atualidade do movimento emancipatório da Catalunha e que teve a sua maior expressão no referendo ilegal de Barcelona (Veja noticia), levanta questões quanto a pressupostos, causas, características e dimensões de contextos marcados por identidades culturais que se diferenciam daquela nacional da Espanha e levam a ímpetos separatistas.


Nessas preocupações, as ilhas Baleares, entre elas Ibiza, merecem particular atenção, uma vez que esta não pertence à Catalunha administrada a partir de Barcelona, mas pertence ao espaço da língua catalã, representando até mesmo um de seus principais centros de emprêgo. O catalão surge de forma crescente em documentos oficiais, em nomes de localidades, ruas e no quotidiano.


A consideração do fenômeno catalão nos estudos de processos culturais favorece, assim, aproximações que partem de contextos identificados segundo o idioma, o que também pode ser observado nos estudos referentes aos países de língua portuguesa como se manifesta no nome do ISMPS (Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa) o que, porém, é alvo de permanentes diferenciações sob enfoques teórico-culturais (Veja).


Esse significado do catalão em Ibiza é constatado pelos muitos brasileiros que visitam a ilha, em particular a sua capital. Em parte compreendendo o castelhano e mesmo falando „portinhol“, encontram dificuldades no confronto com o catalão, ainda mais que este possui características locais (eivissenc ou ibicenço); nele registram, porém, singulares similaridades com o português. Este, por sua vez, pode-se ser ouvido nas ruas centrais, em bares e casas comerciais do núcleo histórico da principal cidade da ilha, documentando a forte presença de visitantes do Brasil, o que também se manifesta em nomes de estabelecimentos, na moda e, sobretudo na música.


Esses brasileiros não são os únicos representantes da América do Sul na ilha, nela residindo imigrados ou retornados de países latino-americanos e de outras regiões da Espanha. Essa atualidade da presença do Brasil na ilha é de natureza turística e de procura de divertimento na atmosfera liberal e cosmopolita da ilha, com as suas praias e grandes discotecas, conhecidas internacionalmente.


Essa cultura de divertimentos e festas no presente - e no qual o Brasil encontra-se presente não só no público como também na música e dança - já é, por si, fenômeno que justifica a atenção de estudos culturais dirigidos ao presente.


Pouco lembrado pelos visitantes lusófonos que procuram Ibiza é, porém, o significado da ilha - e do conjunto balear em geral - na história de processos histórico-culturais na esfera do Mediterrâneo. Neles devem ser procurados fundamentos das diferenciações relativamente à Espanha regida por Madrid que se registram de forma particularmente intensa na atualidade.


O significado do passado de Ibiza foi reconhecido pela UNESCO, incluindo-a na lista dos bens culturais da Humanidade. Essa relevância patrimonial para todo o mundo justifica-se primordialmente pela sua cidade velha com as suas bem conservadas muralhas e pelos seus fundos arqueológicos de fenícios e romanos. Estes remontam à época em que os cartagineses ali fundaram uma povoação no século VII A.C, um passado que pode ser estudado em áreas arqueológicas e museus (Museu Arqueologic d‘Eivissa, Museu Puget), assim como a movimentada história da ilha nos séculos cristãos. De significado supra-regional é também o Centro de Interpretación Madina Yabisa, que se dedica ao estudo da época da presença dos mouros na ilha. Um particular interesse desperta o papel exercido pelas naves de Elvissa nas rotas comerciais do Mar Mediterrâneo nos seus elos com o Atlântico, aqui em especial com portos da Galícia.


Para além da arqueologia e da história, Ibiza surge como relevante objeto de estudos para a arquitetura de orientação cultural nas suas relações com o meio ambiente. Foi esse motivo que levou a que a A.B.E. patrocinasse uma nova visita à ilha no âmbito dos atuais trabalhos do seu programa Cultura/Natureza. Em visitas anteriores, foram sobretudo as tradições populares de danças e música alvo de observações e estudos.



12.11.2014

São Paulo. Hino Bandeira Paulista de Eduardo Alberto Escalante. No próximo domingo, dia 16 de novembro, no Museu Guilherme de Almeida (rua Macapá, 187, Perdizes), haverá um sarau lítero-musical, que contará com a presença do poeta Paulo Bonfim. Nessa ocasião será executado em primeira audição o Hino Bandeira Paulista de Eduardo Escalante, com letra de Guilherme de Almeida, pelo coro masculino e camerada da Polícia Militar do Estado de São Paulo. No dia 19, na comemoração dos 120 anos do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que terá lugar na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, o Hino será novamente executado, quando então o compositor receberá a medalha comemorativa do quarto centenário da fundação da cidade de São Paulo. A sessão será aberta com o Hino Nacional Brasileiro pelo Coral da Polícia Militar de São Paulo. Após palavras da Presidente Nelly Martins Ferreira Candeias, haverá pronunciamento de Ives Ganra da Silva Martins. Além do compositor, serão condecorados Armando Alexandre dos Santos, José Carlos de Barros Lima, Maria Cecília Naclério Homem, Patrícia Rodrigues e Paulo Bonfim. Após solenidade de posse de novos membros, haverá interlúdio musical a cargo do Quarteto de Cordas „Quatro Arcos“. A sessão inclui palavras do Comandante Militar do Sudeste, General João Camilo Pires de Campos, sendo encerrada por Pedro Paulo Penna Trindade.(S. Maltese)



11.11.2014

Colonia. Abertura da „quinta estação do ano“ - Carnaval a 11.11. às 11:11 horas como questão de Estudos Culturais - o dia de S. Martinho na tradição portuguesa. Em várias cidades da Alemanha, principalmente em Colonia, celebra-se no dia 11 e novembro a abertura da estação que tem o seu ponto alto no Carnaval. Grande multidão festeja em praças centrais da cidade, apresentando-se o par de príncipes, com muitas expressões de alegria e grande consumo de bebidas e comidas, em especial carnes, entre elas o „ganso de São Martinho“.


O período carnavalesco que assim se abre tem grandes interrupções devido ao período do Advento, reintensificando-se nas suas manifestações festivas após o Natal e, em particular, após os Reis.


Já essas característiscas indicam os estreitos elos da tradição com o ciclo do ano religioso. Aqui vêem alguns pesquisadores de tradições as origens e as razões da abertura da estação no dia 11 de novembro: assim como o Carnaval precede o período de jejum da Quaresma, o carnaval de novembro precede o período de jejum do Advento, também realizando-se 40 dias antes da festa, no caso o Natal.


Segundo opinião bastante difundida, o costume alemão seria um produto do século XIX, época de revitalização do carnaval, assim como de outras tradições populares. A política ordenadora de autoridades e comissões teria  fixado essa data para o início dos ensaios dos grupos de cortejos carnavalescos. Essa explicação, porém, sugere uma introdução de uma prática que, na realidade, foi uma revitalização com outras características de antigos costumes.


Os festejos do 11 de novembro não foram apenas conhecidos na Alemanha, mas também praticados tradicionalmente em outros países, podendo-se aqui salientar Portugal. Como os estudos etnográficos portugueses demonstraram - podendo-se aqui salientar aqueles de Ernesto Veiga de Oliveira (Festividades Cíclicas em Portugal,  Lisboa: Dom Quixote 1984), em muitas localidades do país mantiveram-se diversas práticas festivas no dia de S. Martinho e que incluem grande consumo de vinho e alimentos, em especial carnes. Esse dia surge como inserido em contexto de vários dias que se inicia no dia de Todos os Santos, festejado com magustos de vinhos e castanhas („Manjares cerimoniais de Todos os Santos e fiéis defuntos“, op.cit. 179-191).


O paralelismo entre o Carnaval e essa época do tétrico mês de novembro do hemisfério norte é assim mais amplo e complexo nos seus sentidos do que as convencionais explicações sugerem. O seu estudo exige a consideração de relações entre o ciclo religioso e o ciclo do ano natural - e isso a partir da perspectiva do hemisfério norte - não daquela do ano natural no Brasil.


Essas análises pressupõem a consideração de antigas concepções de matéria e seus elementos, e que, tendo perdido a sua forma nessa época do ano, é vitalizada pela ação de uma força fogosa que prepara o período acendente do ano. Nesse sentido, o mês de novembro vem sendo alvo de particular atenção no âmbito do projeto Cultura/Natureza da A.B.E. e nos estudos voltados às relações entre a cultura da Antiguidade e o Cristianismo no edifício cultural e de imagens.



10.11.2014

Barcelona. Referendo sobre a emancipação da Catalunha e a individualidade da cultura catalã nas suas implicações para estudos Brasil/Europa - o Poble Espanyol. O referendo simbólico que acaba de ser realizado e no qual grande parte dos eleitores votaram pela independência da Catalunha traz à luz a força da auto-consciência histórica e a identidade cultural da região nas suas características diferenciadoras relativamente à Espanha.


Diferentemente do referendo legal ocorrido na Escócia, e cujo resultado foi gratificante para os defensores da permanência do país no Reino Unido, o referendo ilegal da Catalunha manifestou anelos separatistas e anti-monárquicos.


Para além de seus significados políticos e econômicos, essa demonstração de desejos de independência da Espanha representa um objeto para estudos culturais.


Se a cultura da Catalunha já foi considerada em várias viagens de estudos e contatos, e em colaborações com estudiosos de Barcelona e Montserrat, ela foi alvo de particular atenção no corrente ano. A intensificação de ímpetos emancipadores que levaram ao referendo trouxe à consciência a necessidade de uma maior consideração das características particulares da cultura da Catalunha, as suas diferenças no contexto da Espanha e mesmo da Península Ibérica no seu todo nos estudos referenciados pelo Brasil.


Por demais superficial é em geral a consideração dos imigrantes espanhóis e seus descendentes nos Estudos Culturais do Brasil, vistos quase que exclusivamente sob enfoques de uma Espanha indiferenciada sob o ponto de vista histórico e cultural.


A consideração de diferenças regionais em superação de visões nacionalistas de unidade já foi tematizada no primeiro trabalho de pesquisas entre crianças e jovens de ascendência espanhola realizado em São Paulo, em 1973, quando procurou-se considerar contextos culturais de escolares na Educação Musical e Artística, na formação de professores e na prática de ensino.


A tentativa pioneira de revivificação da Zarzuela por José Carlos de Azevedo de Morais Leme, em 1974/75 ,na Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo, retomou questões da diferenciação regional nesse gênero tão vinculado a concepções nacionais e à política cultural da época de Madrid.


Nesse contexto, relembrou-se do extraordinário papel desempenhado por Jose Zapata y Amat (1848-1865) na história da ópera no Brasil como gerente da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional, empenhada no cultivo de óperas em português. Não se pode esquecer que os trabalhos dessa academia foram abertos com uma zarzuela, a „A estréia de uma artista“, de Joaquín Romualdo Gaztambidey Garbayo (1822-1870).


No escopo publicado da academia, de 1857, dava-se expressão às concepções nacionais que a inspiravam: „A música não é absolutamente a mesma em todas as nações: sujeita às grandes regras da arte, ella se modifica no estylo e no gosto em cada nação, segundo as inspirações da natureza do paíz, os costumes, a indole e as tendencias do povo. O Brasil tem a sua musica: as imitações do canto italiano vão pouco a pouco destruindo a sua originalidade: o theatro lyrico nacional deve regeneral-o aproventando com os conselhos da arte essa originalidade e dando ao Brasil a sua musica propria, cultivada e digna do grao de civilização a que já tem chegado o nosso povo“. (V. Cernicchiaro, Storia della Musica nel Brasile, Milano 1926, 202.)


Um dos aspectos que devem ser lembrados é a recepção, no Brasil, de um gênero revivificado na Espanha, expressão de impulsos historistas do século do Romantismo. A questão que se levantou em Barcelona é a da expressão local desse historismo no século XIX, as suas irradiações no Novo Mundo e a sua retomada na Espanha do século XX.


Sob alguns aspectos principais revela-se numa primeira aproximação o significado da história e características da cultura da Catalunha para estudos músico-culturais referenciados pelo Brasil, entre êles o do repertório para a guitarra/violão, do canto lírico, do piano e do violoncelo. Basta-se aqui lembrar que da cidade e da região provieram o Fernando Sor (1778-1839), compositor marco na história da composição para a guitarra, os cantores de significado internacional Victoria de los Ángeles (1923-2005), Montserrat Caballé e José Carreras, os pianistas Frederic Mompou (1893-1987), cujas obras fazem parte do repertório de pianistas no Brasil, e Alicia de Larrocha (1923-2009), assim como o celista Gaspar Cassadó (1897-1966).


Sob uma perspectiva mais ampla e fundamental, a necessidade de uma maior consideração de diferenças regionais em estudos culturais relacionados com a Espanha e com a imigração espanhola no Brasil. Se a influência espanhola na cultura musical brasileira já foi até mesmo supra-valorizada -l embrando-se aqui Heitor Villa-Lobos (1887-1959) - os vínculos de expressões tradicionais de festividades do ciclo do ano com o complexo ibérico no seu todo exige maior atenção diferenciadora.


Esse é o caso, por exemplos, dos Gigantes e Cabeçudos no Brasil, cujo sentido no contexto da linguagem visual de fundamentação religiosa foi relembrado no Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira de 1981, uma tradição lúdica que hoje experimenta revivificações conduzidas por folcloristas em São Paulo.


Esse interesse pelos sentidos da linguagem visual de expressões tradicionais brasileiras determinou a aproximação da Etnomusicologia introduzida no Brasil em 1972 a Marius Schneider (1903-1982), musicólogo alemão que atuou em Barcelona, em particular no departamento de folclore do Instituto Español de Musicologia. Com as suas publicações, determinou um rumo de preocupações que, de forma renovada e sob outros enfoques, tem a sua continuidade nos trabalhos eurobrasileiros voltados à análise de sistema de concepções e imagens de antiga proveniência ainda vigente no Brasil. (Veja)


Em Barcelona, os trabalhos do corrente ano voltados às relações entre o regional e o nacional incluiram uma visita ao „pueblo español“ (Poble Espanyol), significativo museu ao ar livre que as tematizam do ponto de vista nacional. Construido em 1929 por ocasião da Exposição Mundial nas encostas do monte Montjuic, apresenta reconstruções de edificios de diferentes contextos regionais em encenação histórica, apresentando modos de vida, técnicas, artesanato e arte, constituindo até hoje um dos atrativos culturais de Barcelona. Sendo procurado por visitantes de todo o mundo, esse museu contribue à imagem da Espanha como unidade na diversidade, levantando assim questões sob o pano de fundo das atuais tendências de emancipação ou mesmo autonomia.




09.11.2014

Nessebar/Bulgária. A antiga Messembria como Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade pela UNESCO - Portugal e Mar Negro na cartografia. No âmbito do programa Cultura/Natureza da A.B.E. visitou-se a cidade-monumento Nessebar na costa búlgara do Mar Negro, cuja cidade velha é hoje museu possuidor de um dos mais valiosos conjuntos arquitetônicos dessa região do globo.


Essa cidade-museu é hoje um centro cultural de irradiações internacionais, abrigando instituições e eventos que não apenas são voltados ao passado como também ao presente, como o seu instituto de cinema e o festival anual de música eletrônica. Essas múltiplas dimensões internacionais de Nesebar justificam a sua consideração nos estudos culturais em geral.


O significado de Nesebar para a história da arquitetura reside sobretudo na dezena de igrejas bizantinas ali ainda existentes e que representam principais exemplos da arquitetura medieval búlgara - „escola de Tarnowo“. Tendo sobrevivido o período da presença muçulmana, passaram por reconstruções e experimentam hoje especial valorização.


A valorização do passado manifestou-se já no „ressurgimento búlgaro“ do século XIX, o que se reflete também em construções profanas de casas do „tipo do Mar Negro“. Em ambos os casos manifestam-se os estreitos elos da história da arquitetura com complexos processos político-culturais estreitamente relacionados com o confronto entre o Cristianismo e o Islão. A cidade foi conquistada pela primeira vez pelos osmanos em fins do século XIV, caindo por fim com a tomada de Constantinopla em 1453. A soberania turca terminou por fim em 1878.


O significado de Nessebar como patrimônio natural e as relações da sua herança cultural com o meio ambiente, dirige a atenção aos primórdios da cidade, ou seja às razões da escolha do local para a instalação da urbe pelos antigos trácios e que, após a colonização grega a partir de Byzantion, Calchedon ou Megara foi por muitos séculos importante porto de comércio e religioso, como o demonstram os fundos arqueológicos como os restos dos muros da cidade e de vários templos. Esse significado foi retomado à época bizantina, o que explica o grande número de igrejas ali construidas.


Estudos do império bizantino de Constantinopla, cuja queda significou uma das maiores, senão a maior cisão na história do Ocidente, não podem deixar de considerar assim esse bastião do Cristianismo no Mar Negro.


As muitas transformações étnico-culturais da cidade e da região - com transposições, exílios, emigrações e imigrações - na sua inserção em contextos mais amplos podem ser estudadas a partir de documentos cartográficos. Com a exibição „Nessebar e a baía em velhos mapas“ numa de suas antigas e mais bem conservadas igrejas - a de Cristo Pantocrator - , traz-se à memória os conhecimentos da região em centros de estudos dos diferentes países europeus e as mudanças geo-políticas por que passou a região.


A exposição foi preparada e realizada pelo Museu do antigo Nessebar com o apoio do Centro Internacional Comercial e Cultural Geopan e com o emprego dos arquivos Trácia digital. Ali são apresentados 18 mapas, datano dos séculos IV ao XIX. Neles percebe-se o interesse de outras regiões da Europa pelo Sudeste europeu e, particularmente, à costa do Mar Negro.


Do ponto de vista do mundo referenciado historicamente por Portugal, como no caso do Brasil, a atenção é dirigida naturalmente aos registros cartográficos que surgem como relevantes para o estudo da visão da região a partir do extremo Ocidental no Atlântico e, entre outros aspectos, para o estudo de rotas comerciais e consequentemente de intercâmbios.


Especial atenção merece o mapa Portolano de Petrus Vesconte de 1320, um dos mais conhecidos cartógrafos de Genua. A carta dos mares Mediterrâneo e Negro de Juan Martinez, da seguna metade do século XVI, registra também a antiga Messembria como grande e próspero porto.


A exposição cartográfica de Nessebar oferece um exemplo do significado da cartografia para os estudos de geografia e história cultural, vindo de encontro, em outro contexto, aos estudos cartográficos desenvolvidos de forma exemplar em Portugal.



08.11.2014

Berlim. 25 anos da queda do muro na memória dos Estudos Culturais no contexto Alemanha-Brasil/Brasil-Alemanha da A.B.E..Comemora-se no presente fim de semana a passagem dos 25 anos da queda do muro que separou as duas Alemanhas com vasta programação cultural que inclui solenidades várias, instalações, exposições, concertos e conferências. Esses atos memoriais e comemorativos alcançam dimensões extraordinárias quanto ao número de participantes e a diversidade de eventos em Berlim; não se limitam porém apenas à capital, sendo a data celebrada em todo a Alemanha e também em outros países europeus.


Cumpre, assim, trazer à memória como a queda do muro há 25 anos foi recebida por brasileiros e portugueses residentes na Alemanha e, em geral, por círculos voltados a estudos de relações culturais entre a Alemanha e os países de língua portuguesa, as reflexões então encetadas e a sua transmissão ao Brasil e a Portugal.


Em Berlim, as comemorações são marcadas pela instalação „fronteira de luz“, um muro de milhares de luminárias dispostas no antigo percurso do muro através da cidade, retraçando-o por 15 quilômetros, Esse ato simbólico tem múltiplas dimensões de significado, uma vez que vincula a liberdade com a luz. O simbolismo dessa instalação, iluminada no dia 7, é acentuado pela subida de 8000 balões no domingo, dia 8, o que sugere relações entre luz e movimento ascendente. É compreensível, assim, que surjam associações com o relato bíblico da criação da luz e de sua separação das trevas, do dia e da noite do livro Gênese, tematizadas em obras musicais apresentadas e em alocuções.


Essas associações implícitas e explícitas, indiretas e diretas trazem à memória o papel representado por meios teológicos evangélicos nos desenvolvimentos que levaram à queda do muro. Essas associações tornam também compreensível a intensidade com que na época esses desenvolvimentos foram acompanhados por círculos de estudos de processos culturais particularmente próximos ao debate teológico, como foi o caso da A.B.E. e do I.S.M.P.S. no seu empenho de análise de fundamentos do edifício cultural.

Desde o início do programa de renovação dos estudos culturais originado no Brasil e ancorado na Alemanha, em 1974, possibilitado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), a problemática da separação da Alemanha Ocidental e a do Leste esteve sempre presente, considerada e tratada sob diversos aspectos.



Desde essa época reconheceu-se que essa separação trazia não apenas dificuldades quanto ao contato entre instituições e pesquisadores no presente, mas consequências mais amplas para o estudo da história cultural, criando focalizações unilaterais e delimitações de visões - e de objetos de estudos - resultantes de fixações nas configurações de Estado posteriores à Guerra.


Essa situação favorecia assim um desconhecimento ou uma insuficiente desconsideração de regiões alemães situadas no Leste por parte de pesquisadores ocidentais, o que punha obstáculos ao tratamento adequado da imigração alemã no Brasil.


Já no início de 1975, assim, realizou-se - também graças ao DAAD -uma visita a Berlim e suas instituições, confrontando-se in loco com o muro e suas consequências para a vida em ambas as partes da cidade dividida. A documentação fotográfica dessa estadia - hoje material fotográfico histórico - recentemente considerada na Revista Brasil-Europa no âmbito dos atuais trabalhos de balanço e reajustes (Veja), foi agora novamente revista e comentada por motivo dos 25 anos da queda do muro.


Neste contexto, relembrou-se também iniciativas que se seguiram, em particular a viagem de estudos euro-brasileiros por cidades da antiga República Democrática Alemã (DDR) em 1986, quando também várias instituições foram visitadas. A queda do muro de Berlim deu ensejo a debates e estudos promovidos pela A.B.E. e pelo I.S.M.P.S., cujos resultados foram publicados (Veja) e motivaram reflexões no Brasil.


No centro das atenções encontrava-se o fato de que países lusófonos com afinidades políticas com o Leste, entre outros aqueles africanos, sobressaindo-se aqui Angola, tinham estado mais no centro das atenções da DDR, cumprindo agora intensificar a sua consideração e rever os paradigmas que tinham determinado os estudos, em grande parte até mesmo desconhecidos.


Esse questionamento de bases ideológicas dos estudos culturais e musicológicos, e que não só condicionava compreensões historiográficas tinha implicações que superavam os estudos relacionados com países de língua portuguesa. Tratava-se, assim de aguçar a percepção na leitura de obras de relevância para estudos culturais em geral, assim como de analisar rêdes sociais entre pesquisadores e suas extensões no Brasil e em outros países. A queda do muro de Berlim relacionou-se assim estreitamente com os intuitos da Academia Brasil-Europa, que propugna pioneiramente a condução de estudos de processos culturais em conjunto com estudos da ciência (science studies) ou de ciência da ciência (Wissenschaftswissenschaft), em particular através da análise de rêdes.



07.11.2014

Sosopol/Bulgária. Vida quotidiana do passado em regiões afastadas do Mar Negro em estudos comparatísticos eurobrasileiros - Gadulka e Tambura no país de Orfeu. No rol dos museus de etnografia/folclore da esfera balcânica e da Ásia Menor visitados no contexto dos trabalhos promovidos pela A.B.E. no corrente ano merece ser mencionado o da pequena localidade Sosopol na costa búlgara do Mar Negro.


Se o museu de etnografia de Burgas encontra-se instalado em mansão da alta burguesia do século XIX transformada em museu de história regional, o de Sosopol acha-se mais apropriadamente situado em aposentos de trabalho casa de madeira característica da região. Esse fato favorece uma consideração mais coerente dos objetos apresentados relativamente à arquitetura. Esta, aliás, apresenta semelhanças com aquela do museu etnográfico de Sinop na Turquia.


No museu não há referências ao remoto passado de Sosopol - uma das mais antigas cidades da Bulgária -, remontante à colonia grega Apollonia, e cujos restos arqueológicos representam o principal patrimônio da localidade. Também não há referências ao significado da cidade na era cristã, documentado nas relíquias que guarda -.presumivelmente restos de S. João Batista (!) - e em ruínas de conventos e igrejas. Os objetos expostos - trajes, instrumentos musicais, cerâmica, objetos vários de uso quotidiano - testemunham apesar de toda a simplicidade uma qualidade de vida doméstica apenas explicável pelas possibilidades econômicas que Sosopol teve no passado como cidade de pesca, de vinho e de porto de exportação de cereais da Trácia.


Diferentemente do museu de Burgas, o de Sosopol, muito mais modesto, testemunha antes o empenho de folcloristas e tradicionalistas locais, podendo ser comparado com similares museus no Brasil. Na sua única dependência, esses idealistas procuram oferecer uma amostra de objetos e sobretudo de trajes que permaneceram em uso por mais tempo em regiões afastadas das montanhas Strandscha, habitadas por diferentes grupos étnicos (Sagorzi, Tronken e Rupzi).


Uma particular atenção foi dada na visita à música a partir dos instrumentos da tradição popular búlgara, entre eles: Gadulka, tocado com arco, e Tambura, o alaúde de braço longo. Procurou-se comparar os exemplares búlgaros com tipos desses instrumentos conhecidos de outras regiões, sendo que a Tambura traz à lembrança a Mandoline. Uma questão levantada foi o da similaridade no modo de execução com a guitarra, apontando-se porém as diferenças organológicas entre ambos os instrumentos.


Estudos de simbologia mais aprofundados procurarão analisar sentidos possivelmente comuns apesar dessas diferenças. Para isso, porém, tornam-se necessários estudos de expressões culturais búlgaras na sua inserção no sistema de imagens. O fato de tratar-se no caso da Trácia -marcada pelo vulto de Orfeu - esses estudos prometem contribuir ao esclarecimento de questões cujo significado de muito ultrapassa a esfera da Bulgária.



07.11.2014

Lisboa. Situação da música nas igrejas. O Pe. Dr. Armindo Borges relata o estado deficitário da prática litúrgico-musical nas igrejas de Lisboa na atualidade, salientando a grande diferença relativamente à situação dos anos sessenta, quando então dirigiu-se a Roma para estudar no Pontificio Istituto di Musica Sacra (Veja). Do ponto de vista sacro-musical, constata que não houve avanços nas últimas décadas, apenas retrocessos quanto à prática musical nas igrejas. A música sacra continua apreciada, mas apenas executada em concertos, não na função de culto para a qual foi criada. Apesar do interesse sempre afirmado, não há por parte de cantores disposição para a participação não-remunerada em coros. No presente, celebra-se uma missa cantada em Gregoriano todos os domingos no Sacramento, pertencente à Basílica dos Mártires. Nessa missa, êle próprio canta o Introito, o Gradual, o Aleluia e a Comunhão segundo o Liber Usualis, já conseguindo os fiéis - apenas quatro ou cinco - entoar respostas e partes do Ordinario das missas mais simples. Uma vez por mês também se realiza uma missa com Gregoriano na igreja de S. Nicolau.



06.11.2014

Burgas/Bulgária. Etnografia e Estudos Regionais na Bulgária nos seus elos com os estudos euro-brasileiros de fundamentos do sistema cultural - Orfeus e a cultura órfica na antiga Trácia. A Bulgária possui vários museus de etnografia e de história local, que demonstram o significado que adquirem os estudos culturais regionais na vida acadêmica e cultural de suas cidades. Um desses museus encontra-se em Burgas, cidade portuária às margens do Mar Negro.


Assim como vem sendo feito em vários países, realizou-se uma visita a esse museu para comparar-se situações e tendências locais com aquelas do Brasil e de centros da Europa, em particular da Alemanha. Os museus de etnografia da região balcânica e do Leste da Europa em geral constituem importantes pontos de partida para a observação comparada de compreensões da área de estudos, tradições e técnicas de apresentação e difusão, assim como de troca de idéias em contextos internacionais e cooperações.


A importância extraordinária de museus de etnografia e/ou folclore, em geral vinculados com apresentações museais de vida rural tradicional ou de passados urbanos pôde ser constatada em diferentes países do Leste e do Sudeste da Europa, assim como da Ásia Menor, como por ex. na Ucrania (Veja), na Romenia (Veja) e na Turquia, aqui salientando-se o de Sinop (Veja notícia anterior).


O significado relevante desses museus no Leste da Europa pode ser compreendido sob o pano de fundo do papel desempenhado pela etnografia em regimes comunistas ou socialistas de passado relativamente recente. Dessa forma, em diferentes contextos constata-se situações críticas e de mudança de orientações quanto a objetos de estudos, de metodologia e da função de áreas de estudos e instituições.


Correntes mais antigas de estudos de tradições populares e história de artes, técnicas e modos de vida em regiões rurais e urbanas, relacionadas com formas de consciência nacional e mesmo nacionalista remontantes ao século XIX passaram a servir a ideologias marxistas e, com a mudança de sistemas políticos do Leste, passam por re-transformações.


Como em outros contextos, o fato do museu de etnografia de Burgas encontrar-se instalado em representativa mansão do século XIX, favorece que o tratamento da cultura popular se relacione com aquele da história da vida quotidiana do passado urbano de classes favorecidas.


O museu encontra-se na casa construída em 1873 por Dimitar Brakalov, uma personalidade prominente da vida pública, prefeito da cidade e representativo do patriotismo búlgaro. O visitante adquire uma impressão do modo de vida de círculos da elite política e cultural de Burgas no século XIX e primeiras décadas do século XX nos aposentos mobiliados que se encontram no primeiro andar do museu.


No segundo andar, encontra-se instalado o museu etnográfico propriamente dito, com exposições de objetos das ricas coleções de costumes tradicionais de diferentes grupos étnicos da região. Aqui também se consideram trajes e objetos de imigrantes búlgaros em outras regiões, em particular na Ásia Menor.


As possibilidades de consideração do museu sob uma perspectiva referenciada pelo Brasil são assim múltiplas, tanto relativamente à história cultural comparada de modos de vida quotidiano de círculos sociais de liderança, em particular sob o aspecto da recepção de correntes do pensamento e das artes dos grandes centros europeus, como da área do Folclore.


Uma particular menção merece a figura do mascarado que, à época do Natal e do periodo que se prolonga até o carnaval - ou seja, época de inverno europeu - pode ser observado em várias regiões européias: o exemplar exposto no Museu impressa pela força expressiva da imagem, coberta de pelos e penas, e que, com colares de búzios e máscara negra ornamentada sugere visões simbólicas do negro no edifício imagológico.


Um projeto de pesquisa voltado a práticas mágicas ainda hoje constatadas em regiões afastadas da Bulgária, conduzidas por PhDra. Tsonya Drazheva (1954-2013) evidencia relações mais profundas com aqueles que vem sendo desenvolvidos no âmbito eurobrasileiro relativos aos fundamentos do edifício de concepções e imagens de remotas origens e que foi transmitido através dos séculos. A pesquisadora parte da constatação de que se trata de uma cultura sacral mantida em regiões afastadas da Bulgária, remontante em muitos de seus traços à antiga Trácia. A Trácia foi terra natal de Orfeu e da doutrina órfica, base filosófica de um antigo sistema religioso. Com essa hipótese, bem fundamentada, a autora veio de encontro a análises que vem sendo desenvolvidas no contexto eurobrasileiro há décadas e que se relacionam com o símbolo da lira e suas transformações organológicas causadas por mecanismos do próprio sistema. (Veja)


Essa convicção de Drazheva resulta de suas análises de tradições populares que ter-se-iam mantido de forma cristianizada em festas de padroeiros ou de ritos de passagem, em particular de casamentos, sendo sobretudo as mulheres os sustentáculos dessas tradições. Numerosas fotografias de festas estudadas pela pesquisadora búlgara apresentadas na exposição do museu, hoje históricas, permitem comparações com fatos e expressões conhecidas do Brasil.



05.11.2014

Varna/Bulgária. Instalação Digital Cloud na candidatura a Capital Européia da Cultura. A cidade portuária de Varna, na costa do Mar Negro, a terceira maior cidade da Bulgária, é cognominada de „capital do mar“ devido à sua história e significado cultural pelas suas instituições, museus, galerias e vida cultural. Como cidade onde a cultura e questões culturais desempenham importante papel, foi considerada nos trabalhos eurobrasileiros referentes à Bulgária no contexto do Mar Negro e das relações Oeste-Leste, Ocidente e Oriente da A.B.E..


Sobretudo nos meses de verão, com a vinda de turistas para os balneários das proximidades, Varna transforma-se em centro marcado por cosmopolitismo e intensa vida musical, artística em geral, científica e esportiva, como demonstra a diversificada programação do centro de Congressos e Festivais e das grandes salas do Palácio da Cultura e dos Esportes.


Entre esses eventos, destacam-se o Festival de Jazz e de Teatro„Verão de Varna“, o Festival das Etnias, o Festival Internacional de Folclore, o Festival Internacional de Bonecas, assim como o Salão Internacional de Fotografia.


As dimensões internacionais de Varna como centro cultural são fundamentadas na sua longa história, do qual se conservam ruinas de termas da Antiguidade e bens culturais conservados no museu arqueológico local.


Fundada por colonos gregos de Mileto sob o nome Odessos no século VI A.C., Varna é uma das várias fundações da colonização helênica do Mar Negro que possibilitam estudos do edifício cultural remontante à Antiguidade. (Veja notícia sobre Sinop, Turquia)


Devido a esse significado como centro cultural de longa tradição, ao dinamismo e internacionalidade da sua vida cultural atual e irradiação internacional, Varna se candidata a Capital Européia da Cultura de 2019.


O empenho e a energia dos artistas e intelectuais de Varna que apoiam essa candidatura pôde ser registrada  e comentada durante a visita à Bulgária no contexto dos trabalhos eurobrasileiros. A principal manifestação coletiva desse empenho foi, em 2014, a instalação Digital Cloud, projeto do arquiteto Borislav Ignatov. Pela sua concepção e características, esse projeto merece particular atenção no programa Cultura/Natureza da A.B.E., abrindo possibilidades inesperadas para o tratamento da questão do desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental.


A intenção do projeto foi o da criação de um objeto de arte ao mesmo tempo lúdico e memorável através da reutilização de materiais usados - no caso CDs - doados por particulares e em instalação elaborada em trabalho voluntário. Instalado ao ar livre entre duas colunas do portal do grande parque que rodeia a cidade às margens do Mar Negro, o projeto empresta sentidos múltiplos ao espaço urbano e à natureza dos jardins. Esse parque ao longo do Mar Negro é o maior dos países balcânicos e considerado um monumento de construção de paisagens da Bulgária.


A instalação Digital Cloud relaciona sinestesia na percepção a questões de novas tecnologias cloud que substituem os meios convencionais de arquivamento de dados. A instalação dá prosseguimento ao projeto Mirror of Culture de 2013. Os CDs, dispostos em fios pendentes, se movimentam levemente com a brisa do mar, refletindo continuamente a luz, criando efeitos prismáticos e de arco-iris, sinal da diversidade. Respondem, assim, segundo o vento e a luz, às contínuas transformações do meio envolvente. Esses efeitos são relacionados, como o nome da instalação indica, com a discussão do conceito de Cloud e das consequências e implicações da técnica Cloud. Tematiza-se as possibilidades e os riscos da técnica Cloud na estocagem de dados sob a perspectiva da arquivística cultural.



04.11.2014

Dobrudscha/Bulgária. Instituto Cultural Nacional/Centro Cultural Castelui: complexo arquitetônico-paisagístico do castelo de Maria da Rumênia e concepções Bahai de unidade e diversidade. Os estudos de paisagismo de orientação cultural que vem sendo desenvolvidos pela A.B.E. em diferentes contextos incluiu a visita ao complexo do palácio e jardins para a rainha Maria da Rumênia em Baltschik, criados entre 1926 e 1937. O parque do palácio hoje serve como Jardim Botânico da Universidade de Sofia, possuidor de considerável patrimônio de espécimes do Brasil, entre elas uma seringueira do Pará (Hevea brasiliensis). (Vieja notícia anterior)

Esse complexo às margens do Mar Negro merece ser considerado sob a perspectiva de relações da arquitetura e da construção de paisagens de orientação cultural pelos seus elos com a história política posterior à Primeira Guerra, pela internacionalidade daqueles que nele atuaram e pelas concepções poéticas, filosóficas e religiosas que o fundamentam. O areal compreende várias construções e jardins. A mansão-museu conserva objetos e mobília originais.


A rainha, nascida na cidade de Gotha,era filha de Ferdinand von Hohenzollern-Sigmaringen e Marie von Edinburgh, que viviam com o seu avô, Alfred von Sachsen-Coburg und Gotha (1844-1900). Este fora o primeiro membro da família real inglesa que esteve no Brasil (1867). Tendo-se casado com o rei dos sérvios, croatas e eslovenos em 1922, tornou-se rainha, a partir de 1929 com o título de rainha da Iugoslávia.


Tendo visitado a região em 1921, a rainha Maria da Rumênia (ou de Edinburgo) (1900-1961) escolheu-a como residência de verão, adquirindo vinhedos, jardins e moinhos ali existentes, integrando-os no projeto construtivo. Este, de autoria de arquitetos italianos, procurou uma síntese da cultura balcânica e oriental, do Ocidente e Oriente. Para a configuração do parque, contratou-se um jardineiro suiço, Jules Jannin. Este havia trabalhado para o Czar Nicolau II da Rússia (1868-1918) antes da Revolução de 1917, trazendo a sua experiência dos parques de S. Petersburgo para a Dobrudscha.


Essa interação de culturas exprimia-se no interior e na própria vida da residência, entre outros aspectos na culinária e na cultura de mesa, assim como nas múltiplas vestimentas da rainha: trajes populares camponeses, de freiras medievais ou de referências exóticas. Esse complexo integral não deveria, porém, ser visto como simples expressão de exotismo e do romantismo tardio, de uma rainha que entrou na história também como escritora, pensadora e sobretudo como defensora de direitos da mulher.


A interação de culturas adquire um sentido religioso devido ao fato de incluir tanto uma capela como um minarete e que indicam as dimensões mais profundas da unidade na diversidade dos diferentes estilos e referências culturais. Não só a rainha, anglicana de origem, aproximou-se da cultura ortodoxa dominante no seu reino, como a coleção de ícones na residência o demonstra. Ela aproximou-se da doutrina Bahai, e esses princípios elucidam concepções de unidade na diversidade das culturas e das religiões.


A análise de sentidos do projeto do complexo arquitetônico e paisagístico pressupõe a consideração de  aspectos sinestésicos. O murmurar das águas da cachoeira e dos canais que movem os seculares moinhos que foram integrados no conjunto constituem um contraponto com o ruído das ondas do mar, criando um tapete sonoro envolvente do espaço e determinador da atmosfera dos encontros de artistas e intelectuais que ali se reuniam sob a égide da rainha. O ruído das águas doces e daquelas salgadas adquiriam sentidos simbólicos, o que se manifesta também na dedicação da capela a Stella Maris.


O minarete, embora não usado para funções religiosas, podia ser alcançado por escadas em espiral que levavam poeticamente às estrelas, surgindo como um farol para aqueles que se encontravam em perigo no mar da vida e, no seu alto, o vento soava como uma harpa eólica.


A disposição das plantas no parque levantam associações e sentidos transcendentes de cores, como o predomínio de rosa ao nascer do sol, vermelho ao poente, do branco relacionado com sonhos e do negro com o mistério. O labirinto, em terraços suspensos, dispostos em forma de anfiteatro acima do palácio, é marcado por pequenas escadas e arcos estreitos, que mudam repentinamente de direção, por caminhos que passam por portões de ferro e que sempre abrem possibilidades de vista para o mar.


A idéia de obra de arte total ganha nesse complexo de Balchik abrangência plena com esses momentos sinestésicos e com a sua fundamentação religiosa Bahai. Essa orientação religiosa parece ter determinado o empenho caritativo e humanitário que caracteriou a ação da rainha na Cruz Vermelha, como enfermeira de soldados feridos, e, politicamente, pelos interesses dos rumenos. A construção da paisagem de Balchik surge assim como um monumento ou emblema de um programa nãqo apenas balcânico na sua internacionalidade, de relações entre Oeste e Leste, Ocidente e Oriente, mas sim de uma visão do mundo global.




03.11 .2014

Balschik/Bulgária. Universidade de Sofia - Jardim Botânico. O Brasil na maior coleção de plantas de regiões quentes do globo às margens do Mar Negro. No âmbito do programa Cultura/Natureza da A.B.E. visitou-se o Jardim Botânico da Bulgária, em Balschik, às margens do Mar Negro, o maior e mais importante do país e, pela sua coleção de suculentas - 250 espécies de cactos - e um dos mais significativos do gênero da Europa, vindo logo após o Jardin Exotique do Monaco. (Veja notícia)


Após ter-se visitado outros jardins com considerável coleção de plantas de regiões áridas e trópicas do mundo em outros países - salientando-se aqui o mencionado jardim do Monaco, cumpria considerar esse jardim búlgaro pelo patrimônio vegetal ali cultivado e por ser instituição universitária de cultivo e de pesquisas sob a perspectiva dos intuitos de desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental da A.B.E. . Esse jardim adquire além do mais interesse histórico-cultural por ter sido parque de palácio real, estando sob a administração da Universidade de Sofia desde 1955, tendo passado por fases de decadência e reconstrução em dependência de situações políticas.


Em quadros informativos dispostos no jardim e nas estufas, apresentam-se alguns aspectos das pesquisas históricas e científico-naturais relacionadas com suculentas nas suas viagens através do mundo. Lembram que as suculentas ocorrem em diferentes regiões do globo, em diversos habitats. Frequentemente vivem em meio-ambiente que de outra forma não seriam ocupados.


O Brasil é considerado nesses quadros ilustrados, que lembram a transplantação de espécimes brasileiros a outras regiões do  mundo. O habitat nativo dos cactos é a América do Norte e do Sul, podendo ser encontrados do norte do Canada até o extremo sul do Estreito de Magalhães, ou seja, estende-se numa região que abrange todas as zonas climáticas. Entretanto, a maioria das espécies crescem em regiões tropicais e subtropicais. A pesquisa de cactos encontram-se em desenvolvimento em vários centros europeu e o seu cultivo em áreas livres em latitudes moderadas é um dos principais objetivos da pesquisa e de coletores.


Os caminhos pelos quais essas espécimes chegaram à Bulgária foram múltiplos, em parte através do desvio por distantes continentes. A história da difusão de plantas e suas aclimatações pertencem assim a uma História da Cultura, devendo ser considerada sob a perspectiva de processos culturais como salientado nos trabalhos da A.B.E.


No Jardim da Universidade búlgara, lembram-se de viagens de C. Colombo (1451-1506) entre1492 e1497, que trouxe plantas da América  Central à Península Ibérica; as viagens de Vasco da Gama (ca.1469-1524), de missionários e comerciantes ibéricos ao Oriente e de retorno; as do coletor britânico-norte americano Thomas Nuttall (1786-1859), entre1810-1836, entre a América do Norte, do Sul e as ilhas britânicas, assim como as do americano Dr. Joseph Nelson Rose (1862-1928) nas suas viagens entre o sul da América do Sul, o Brasil, o México e os Estados Unidos realizadas entre 1912 e 1923.


Com referência ao Brasil, o nome que é salientado neste contexto é o do britânico Thomas Bridges (1842-1898) e suas atividades entre 1828 e 1842. Essa referência deu margens a discussões, uma vez que Th. Bridges é conhecido sobretudo pelas suas atividades de missionário anglicano na Terra do Fogo e na Etnologia da Patagônia, como considerado em estudos eurobrasileiros realizados em Uschuaia, Argentina, em 2006.


Apesar das questões que se levantam, essa referência serviu para lembrar o papel relevante representado pela Grã-Bretanha na história botânico-cultural, o que vem de encontro ao extraordinário interesse por plantas, pelo meio ambiente e pela construção de paisagens que pode ser constatado em estudos no Sul da Inglaterra no corrente ano. (Veja notícias)


O Jardim Botânico da Universidade de Sofia, reunindo além dos seus objetivos científico-naturais também qualidades paisagísticas, constitui um dos principais atrativos da região búlgara do Mar Negro.



02.11.2014

Trabzon/Turquia. A questão da islamização no presente e a história de islamizações - transformações de igrejas em mesquitas. No ciclo de estudos eurobrasileiros levado a efeito no Mar Negro em outubro do corrente ano, tratou-se de uma questão de dimensões globais que constitui objeto de preocupações e debates na Europa da atualidade e que merece ser considerado sob a perspectiva histórico-cultural: o da islamização cultural.


De todas as cidades  da região turca do Mar Negro, a mais conhecida no contexto brasileiro é Trabzon, a antiga Trapezus. Ainda que de forma vaga, o nome Trabezunt ou Trapezunt desperta associações com um centro comercial oriental, distante, marcado pelo intercâmbio de riquezas entre o Oriente e o Ocidente, com população diversificada, exemplo de cosmopolitismo oriental.


Essa imagem, ainda que difusa e poética, corresponde de fato ao antigo significado da cidade como porto final ou inicial de via de caravanas em direção à Pérsia e a regiões ainda mais longínquas da Índia e do Extremo Oriente, sendo ali adquiridas mercadorias ocidentais. Esse significado renovou-se sob outras condições à época do apogeu comercial britânico no século XIX, o que explica a aura romântica que envolve o nome. Mais recentemente, similar função adquiriu o porto com as possibilidades econômicas surgidas do petróleo iraniano, tornando-se a cidade mais uma vez centro de mercadorias ocidentais que passaram a ser adquiridas pelo Irão.


Trapezunt foi desde a Antiguidade e através dos séculos importante centro de intercâmbios comerciais, de confrontos e interações culturais. Nesse sentido, revela-se o significado do Império de Trapezunt na Idade Média, um dos estados derivados de Bizâncio, o último posto cristão conquistado pelos otomanos em 1461. Tendo sido Constantinopla - Istambul -, a antiga Roma do Oriente, conquistada em 1453, Trapezunt manteve-se por alguns anos como bastião da cultura cristã no Mar Negro. Esse fato traz à consciência o significado da cidade em contextos relacionados com as lutas de cristãos e muçulmanos, de tanto significado para a história cultural de Portugal e mantida viva na memória e em tradições brasileiras.


Os estudos da Reconquista na Península Ibérica e da expansão portuguesa no Norte da Africa tem considerado a transformação de mesquitas em igrejas, essas em geral dedicadas a Nossa Senhora. Se na Espanha o exemplo mais conhecido é o da mesquita de Córdoba, pode-se citar, no contexto português, o caso da transformação da mesquita de Ceuta em igreja, estudado já sob diversos aspectos na sua relevância para os estudos luso e brasileiros. (Veja).


No sentido oposto das mudanças, Trapzon oferece possibilidades de estudos da islamização de igrejas na sua Aya Sofia ou Hagia Sophia, a maior obra arquitetônica sacra do antigo Império de Trapezunt, construida no século XIII em situação elevada da urbe por Manuel I (ca.1218-1263) como correspondente à Hagia Sophia de Constantinopla, e que passou a ser mesquita no século XVI.


Esse monumento parece testemunhar hoje um novo processo islamizador. Transformada em museu a partir de 1964, passou de novo a funcionar como mesquita por decisão judicial recente, voltando a ser local de orações desde 2013. Para tal, afim de que os maometanos não se desconcentrem com as pinturas de seu teto, foi estendido no seu espaço interior uma rêde, recobrindo-os.


Essa re-dedicação do museu na antiga igreja representou um ato de grande força simbólica quanto à política islamizadora de Estado na Turquia, e que possui repercussões que vão muito além da esfera do Mar Negro. Essa islamização levou a protestos do Patriarca grego-ortodoxo Ecumênico Bartolomeu I junto ao govêrno, lembrando o significado do monumento para a história religiosa e para a população ortodoxa de Trapezunt, sento até mesmo apoiado pelo Imam local.



01.11.2014

Bruxelas/Bélgica. Simpósio Internacional „Béla Bartók: da Juventude à primeira maturidade“. Os Arquivos Béla Bartók da Bélgica - Fonds Denijs Dille e a Biblioteca Real da Bélgica realizam um Simpósio e Concertos dedicados à questão de saber como Bartók, a partir de suas obras de juventude, tornou-se gradualmente um compositor com a sua própria linguagem musical. Os eventos terão lugar no Auditorium Arthur De Greef, Section de la Musique, no Mont des Arts, em Bruxelas, nos dias 6, 7 e 8 de novembro do corrente ano.



31.10.2014

Maçka/Turquia. Mosteiro de Sumela - Cristianismo submerso no mundo islâmico, seus fundamentos na Antiguidade do Mar Negro - Nossa Senhora Negra e o Ecumenismo O ciclo de estudos euro-brasileiros desenvolvido no Mar Negro do corrente ano teve como objetivo atualizar conhecimentos e dar prosseguimento a estudos de fundamentos do edifício cultural de concepções e imagens de remota proveniência e que, apesar de todas as transformações, manteve-se em vigência no Ocidente, sendo transportado ao Brasil no decorrer do processo colonial.


O Mar Negro, em particular a costa da Turquia, surge como de especial importância para a compreensão da linguagem visual assim transmitida nas suas relações com o meio natural. Os estudos Antiguidade/Cristianismo e Cristianismo/Islão relacionam-se aqui com o programa Cultura/Natureza da A.B.E. e com os seus objetivos de desenvolvimento de uma ciência da cultura de orientação ambiental a partir de estudos e reflexões conduzidas em diferentes contextos. (Veja notícias anteriores)


Sob o ponto de vista de uma arqueologia cultural e do saber, uma particular atenção merece o antigo mosteiro bizantino grego de Sumela, nas montanhas Zigana do Ponto, próximo a Meçka, província de Trabzon. O mosteiro, remontando ao século VI, foi um dos primeiros centros do Cristianismo no Mar Negro. Edificado em cavernas abertas nos altos de montanhas rochosas,à beira de uma profunda garganta, hoje parque natural (Altindere, antigo Pyxites), representa um monumento da vida ascética e do monaquismo de remotas origens.


As pinturas nos tetos e paredes das rochas demonstram o programa teológico nos seus elos com a natureza - da gruta, da pedra, das montanhas, da água - ainda que muitas das representações humanas - sobretudo faces - tenham sido deterioradas pelos muçulmanos.


Abandonado em 1923, o mosteiro de Sumela, cujos prédios atuais remontam ao século XIII e XIV, oferece uma possibilidade de submersão empática em remoto passado cristão e, desde, a seus fundamentos pré-cristãos na Antiguidade. A dedicação mariana do mosteiro indica o significado do culto a Ana e Maria na esfera do Mar Negro. A sua denominação - Mãe de Deus de Sumela - testemunha relações etimológicas com o negro e a montanha negra onde se situa (gr. Melas) e simbólico-religiosas com a concepção de Nossa Senhora negra. Sob este aspecto, essa dedicação surge como de grande relevância para o estudo das representações negras de Maria, tão difundidas na Europa e também no Brasil, justificadas tipológicamente no Velho Testamento e que tem dado motivo a falsas suposições de origem no Brasil.


Uma das maiores riquezas do mosteiro foi, no passado, a de possuir um ícone de Maria que, segundo a tradição, teria sido pintado pelo Evangelista Lucas e trazido para o local por dois anjos. Dois eremitas, encontrando o ícone em caverna no meio da floresta e nas proximidades de uma fonte, ali se estabeleceram. O mosteiro foi edificado ao redor do ano 500, com o apoio do Imperador Anastasios, sendo que a veneração do ícone manteve-se através dos séculos; os vários perigos por que o mosteiro passou foram superados segundo a tradição pela intercessão milagrosa de Maria, sendo o ícone salvo das águas. Essas águas eram bentas com uma relíquia da cruz ali conservada.


O significado do mosteiro manteve-se mesmo após a conquista da região pelos osmanos no século XV. Uma vez também que Maria é venerada pelos muçulmanos (Meryem ana), o local continuou a ser procurado por cristãos grego-ortodoxos e maometanos. Somente no século XX, como resultado do câmbio étnico-populacional entre a Turquia e a Grécia, é que os monges gregos abandonaram o mosteiro. Em 1930, as relíquias foram trazidas para a Grécia, fundando-se um novo mosteiro em Kastania. Hoje, o local recupera em parte o seu sentido religioso e ecumênico. Desde 2005 há esforços de reinstalação de um mosteiro, tendo-se permitido ali a celebração de um ato de culto.


As reflexões deram prosseguimento a estudos que vem sendo desenvolvidos há décadas pela A.B.E. relativamente às dimensões das relações entre os símbolos dos Evangelistas, os elementos da matéria e, em consequência, as disciplinas do Conhecimento segundo antigas concepções. O Evangelista Lucas, que surge como pintor do ícone primordial e cujo símbolo é o touro alado, foi novamente considerado nas suas relações anti-tipológicas com a terra, assim como nos seus sentidos como protetor das artes plásticas e da medicina.



30.10.2014

Sinop/Turquia. Turquia e Brasil: Etnomusicologia e Pesquisa da Música Popular. A Canção em aproximações interculturais. Dando continuidade aos estudos de  musicologia de orientação cultural que vêm sendo desenvolvidos pioneiramente pelo ISMPS e.V. há décadas, a A.B.E. promoveu no corrente mês uma visita de estudos ao Museu de Etnografia da cidade de Sinop, na costa turca do Mar Negro.


As reflexões puderam basear-se em viagens anteriores realizadas à Turquia, na consideração do complexo musical turco em seminários e em conferências levadas a efeito em cooperação com as universidades de Bonn e Colonia e entidades turcas, em particular da imigração. Já em 1985, o recém-constituído ISMPS promoveu a uma viagem de estudos e contatos à Turquia, quando realizaram-se pesquisas comparadas de música tradicional e um encontro de canto islâmico nos seus vínculos com o Ocidente, em Izmir. Por último, em 2013, realizaram-se estudos na Anatólia Central e Capadócia (Veja).


O Museu de Etnografia de Sinop adquire significado para os estudos culturais sob diversos aspectos. Instalado em mansão do século XVIII que, como construção em madeira representa um tipo relevante de arquitetura tradicional turca, o museu diferencia-se das demais instituições do gênero por concentrar-se na demonstração de modos de vida do quotidiano, em particular da vida familiar. Oferece, assim, a possibilidade de estudos da música na vida doméstica. Instrumentos e musicistas são representados na prática musical em espaços internos que, abertos ou fechados, agrupam-se ao redor de uma área central nos diversos pisos.


Particular atenção merece a vida feminina no interior dos vários aposentos, entre outros naquele dedicado à preparação ao noivado. Nessa encenação museológica, o observador pode constatar o uso de instrumentos por mulheres na intimidade do meio familiar, o que nem sempre é considerado suficientemente em estudos músico-culturais do Oriente.


O museu de Sinop proporciona assim outras possibilidades de estudos do que aquelas que marcaram as atenções em Konya, em 2013, e que foram dirigidas aos elos do canto e dos instrumentos com a mística islâmica. (Veja) Êle possibilita a consideração de cantos e de gêneros instrumentais seculares - apesar de suas fundamentações ou associações religiosas e poético-místicas.


Os estudos puderam dar continuidade a seminário realizado na Universidade de Colonia e que incluiu uma conferência internacional no centro de estudos turcos na imigração. De acordo com a orientação desse seminário, a atenção foi dedicada a estudos de processos culturais no presente, comparando tradições de canções em diferentes contextos e interações músico-culturais na música popular da atualidade. Os trabalhos foram precedidos por sessão em Istambul e tiveram continuidade novamente nessa metrópole turca, quando considerou-se sobretudo expressões mais recentes da música popular internacional na Turquia da atualidade em referenciações com o Brasil.



29.10.2014

Sinop/Turquia. Atualidade de Diogenes  (ca. 413-327 A.C.) - Filosofia Intercultural e Filosofia da Natureza na colonização grega do Mar Negro. Os estudos euro-brasileiros desenvolvidos no Mar Negro do corrente ano relacionaram programas da A.B.E. referentes às relações entre a Antiguidade e o Cristianismo e aqueles do Programa Cultura/Natureza. A análise de fundamentos do edifício cultural e de imagens de remotas origens transmitido através dos séculos - cujo entendimento é necessário para estudos da linguagem visual de tradições ainda vivas no Brasil - relacionam-se assim com as reflexões destinadas ao desenvolvimento de uma ciência da cultura de orientação ambiental.


Esses intentos estiveram sob o signo da história das imigrações e colonizações, sendo a atenção dirigida a processos culturais relacionados com a colonização grega a partir de Mileto das costas do Mar Negro, hoje pertencentes à Turquia.


Um dos principais vultos do antigo pensamento e cuja exemplaridade de vida permaneceu viva através dos séculos, em diferentes contextos e referenciações, foi Diogenes, nascido na cidade de Sinop.


Sob muitos aspectos o seu vulto e a sua posição perante o mundo e a vida surgem como modernas, vindo de encontro à renovada sensibilidade quanto ao valor da simplicidade, da libertação de ambições materiais, de auto-suficiência, de uma vida natural, da liberdade relativamente a convenções e imposições de uma moral compreendida de forma restrita, da possibilidade do ser feliz mesmo sob limitadas ou modestas condições de vida.


A personalidade de Diogenes é relembrada no Museu Arqueológico dessa cidade, hoje turca, a principal instituição para estudos da Antiguidade da região do Mar Negro.


As origens do museu remontam a 1921, encontrando-se desde 1970 no edifício atual. Possui uma grande coleção de mosaicos, urnas, objetos de cerâmica, de metal e de ânforas da época helenística, romana, bizantina, seljuk e otomana. Numa de suas seções, o museu apresenta exemplares de sua importante coleção de ícones.


Uma estátua de Diogenes, representado como homem já idoso, com uma lâmpada à mão e acompanhado por um cão, levanta-se à entrada do museu. Diogenes é lembrado como um sábio que, reconhecendo que muito pouco é necessário para a felicidade, passou a viver de forma simples, natural, marcada pela liberdade quanto a ambições e convenções. Reconhecendo-se os problemas históricos e da compreensão de sua filosofia ou modo de vida devido à precariedade das fontes, discutiu-se a necessidade de procura de outros caminhos aproximativos para os estudos do antigo Cinismo - termo que não deve ser confundido com a expressão atual - e o Estoicismo, do qual deve ser diferenciado, apesar de similaridades.


A atualidade desses estudos resulta da possibilidade de redução de tradições transmitidas em contextos religiosos a seus fundamentos filosóficos. Em seminários de Filosofia Intercultural realizados em universidades alemãs em cooperação com a A.B.E., considerou-se a possibilidade de compreensão das posições representadas no vulto de Diogenes: a de que estas tenham sido resultado de imagens do próprio edifício cultural.


A consideração do Mar Negro nos seus sentidos que relacionam o meio natural com concepções culturais traz à luz um complexo que surge como coererente e que torna compreensível uma particular intensidade de culto de determinadas divindades na região, em parte harmonizadas com dividades egípcias no sincretismo helenístico. As análises desse sistema de concepções e imagens nos seus vínculos com o ano natural e os elementos da natureza indicam bases de posicionamentos negativos perante ambições terrenas ou materiais. Perante a representação de Diogenes à entrada do Museu, a sua imagem foi analisada segundo concepções de luz e do sentido do símbolo do cão, conhecido da linguagem das constelações e indicador de concepções centrais do edifício cultural.



28.10.2014

Sinop/Turquia.
Estudos culturais eurobrasileiros do Mar Negro. Após a AB.E. ter promovido um ciclo de estudos na Anatólia Central e na Capadócia por motivo da popularidade dessa região no Brasil em 2013 (Veja), os trabalhos euro-brasileiros referentes à Turquia do corrente ano concentraram-se na região do Mar Negro.


Essa região possibilita o prosseguimento dos estudos de fundamentos culturais nos campos de tensões Antiguidade/Cristianismo e Cristianismo/Islão desenvolvidos na região do Mediterrâneo e em zonas centrais da Turquia em diferentes ocasiões, nos anos 80, 90 e por último em 2013. O Mar Negro é de importância para estudos de antigas concepções e imagens do edifício cultural, como considerado em centros de pesquisas e de sitíos arqueológicos da Rumênia em 2012 (Veja).


Já a natureza das costas do Mar Negro da Turquia indicam condições totalmente diversas da costa Mediterrânea e contribuem à compreensão do edifício imagológico de remotas origens e que pode ser analisado nas suas possíveis vigências na atualidade.


Os dois mais importantes rios da região trazem consigo terras de aluvião que levaram aos vastos territórios de várzeas e terras baixas, hoje cultivadas sobretudo com tabaco e chá. Esse contraste com o interior marcado por elevadas montanhas - destacando-se o Monte Ararat - chama a atenção às bases naturais de sentidos de imagens marcadas por relações entre altos e baixos, sêco e molhado, também na linguagem visual em tradição bíblica.


As conotações positivas das alturas e as negativas de regiões baixas, inundáveis e que devem ser cultivadas, que podem ser consideradas em diversos contextos, mostram-se nessa região do Mar Negro da Turquia em toda a sua força devido às condições naturais.


As cidades portuárias desse litoral surgem como importantes locais de estudos culturais de vida marítima e comercial. Se talvez a mais significativa tenha sido Amasya, capital dos reis do Ponto, assim como Samsun, hoje o principal centro econômico da região, Sinop adquire particular interesse sob determinados aspectos, em particular pela sua antiquissima história, uma vez que foi habitada pelos hetitas há ca. de 4000 anos.


A tradição portuária e de comércio marítimo manteve-se através dos séculos apesar de suas diferentes inserções políticas e religiosas. Com a preferência dada pelos osmanos a Samsun, a cidade de Sinop, se perdeu em parte o seu significado econômico e político, ganhou por sua vez em interesse histórico cultural. Para além dos seus monumentos arquitetônicos - em particular sob a soberania dos Seldschuk, a cidade adquire relevância para os estudos culturais devido a seus museus de arqueologia e de etnografia. Em ambos desenvolveram-se estudos referenciados segundo o Brasil promovidos pela A.B.E. e que serão relatados em notícias.



27.10.2014

Sotschi, Rússia. A idéia olímpica e a Universidade. No novo ciclo de estudos euro-brasileiros do Leste, desenvolvido no corrente mês de outubro em países do Mar Negro, um dos temas particularmente considerados disse respeito ao significado teórico- e político-cultural de Sotschi 2014.


Os jogos olímpicos de inverno nessa região que é ao mesmo tempo cidade de mar - a Riviera russa - e portão às montanhas do Cáucaso, merecem ser considerados pelos grandes empreendimentos arquitetônicos e urbanísticos que transformam a região em cartão de visitas da Rússia, em manifestação da imagem que o país deseja dar ao Exterior de consciência nacional, abertura internacional, desenvolvimento e potência.


Os estudos latinoamericanos voltados ao Leste e orientados segundo o presente não podem deixar de confrontar-se com essa imagem que a Rússia procura oferecer, considerando-a nos seus fundamentos e implicações.


Essa consideração não se limita às características mais evidentes desse emprêgo do esporte para fins políticos da afirmação nacional interna e de projeção da imagem da Rússia no Exterior. Estas podem ser lidas e analisadas das obras edificadas, em particular de estádios, algumas delas de avançadas qualidades técnicas e estéticas, assim como da linguagem visual pós-moderna da cidade de esportes de inverno Krasnaja Poljana. (Veja notícia de 26.10)


Há uma dimensão mais profunda que deve ser analisada: a das concepções do ideal olímpico que justifica um empreendimento que marca toda uma região e adquire tal significado para o país e suas relações com o Exterior. Considerar a interpretação local, regional e nacional do ideal olímpico que se apresenta em si como universal surge como de fundamental importância não apenas para compreender o fenômeno de Sotschi como também para trazer à consciência um complexo de questões de natureza básica que ultrapassam os limites russos.


Essas análises poderiam levar a um repensar fundamental da prática instituída dos jogos olímpicos e outras manifestações esportivas internacionais. A realização em diferentes nações de uma tradição remontante à Antiguidade e de natureza universal nas suas inserções em edifício cultural de concepções e imagens tem apresentado não apenas aspectos positivos - sempre euforicamente salientados - mas também negativos, entre outros o de sua instrumentalização política, o da intensificação de sentimentos nacionalistas e sobretudo o do desperdício de recursos em construções que em muitos casos permanecem sem uso. Diferentemente do sempre citado „pensar global e agir local“, o ideal olímpico, na forma com que se apresenta desde o século XX surge antes como um „pensar local e agir global“, ou seja, um pensar nacional a serviço de intentos de poder im contexto internacional.


O estudo das inserções do ideal olímpico no edifício cultural e suas transformações resultantes da referenciação nacional de sua fase mais recente dizem respeito ao Conhecimento e, assim, fundamentalmente à idéia da Universidade. Também a idéia da Universidade, porém, passou por transformações e mesmo deformações no decorrer dos tempos, podendo esta também servir a um ideal olímpico que mereceria ser repensado.


Este complexo temático foi considerado em visita à Universidade Olímpica Internacional Russa (RIOU) em Sotschi, recentemente inaugurada.


A Rússia orgulha-se de possuir uma instituição que surge como pioneira e que se destina à formação de especialistas para a indústria de esportes. Nessa universidade passam a formar-se estudantes da Rússia e de muitos outros países. Entre as áreas consideradas, encontram-se a da Diplomacia, de Management, de Direito e de Business do Esporte.


Instalada em edifício de mais avançada arquitetura e desde já marco de Sotschi, com grande auditório, salas de aulas e apartamentos para estudantes e docentes, essa  instituição demonstra uma determinada interpretação dada ao termo Universidade - também constatada em outros países - e que merecia ser questionada: a do seu primordial serviço ao Management, não ao alcance de Conhecimentos e à Ciência. A formação dirige-se assim antes a questões administrativas da indústria esportiva, da organização de competições em contextos locais, em estádios ou à direção de escolas de esportes, ou seja, a atividades pragmáticas.


A cidade de Sotschi já era conhecida pelo seu intuito de procurar caminhos no ensino universitário em correspondência a desenvolvimentos técnicos do presente. Nela existe há tempos a Universidade Inovativa Internacional que dispensa em grande parte não só o ensino frontal como também o de seminários em classes, atuando à distância com o uso de meios eletrônicos.


Instalada em edifício de vidro que foi avançado à época de sua construção, hoje porém denotando as marcas do tempo e a rápida ultrapassagem do então atual, essa Universidade Inovativa Internacional encontra-se à frente do monumental complexo da Universidade Internacional Olímpica Russa, também de vidro, este, porém, ainda resplandecente. Ambos os edifícios que assim se confrontam trazem à consciência a necessidade de um repensar de bases do sentido da Universidade e do ideal olímpico.



27.10.2014

Ribeirão Preto/SP. Lançamento de obra sobre a história do Teatro Pedro II e concerto comemorativo.   A iniciativa partiu do Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais. O livro tem 213 páginas e é fartamente ilustrado. O conteúdo da obra está distribuído pelos temas „O contexto“ e „As Memórias“. Destaque especial deve ser dado à metodologia da pesquisa que privilegia as histórias de vida de pessoas ainda vivas e seus depoimentos sobre a importância do Teatro D. Pedro II. (J.G. Matos Guimarães)




26.10.2014

Krasnaja Poljana /Rússia. Sotschi 2014 - Novo ciclo de estudos euro-brasileiros da Europa do Leste. A A.B.E., pela própria tradição em que se inscreve, dedica particular atenção a processos culturais do Leste da Europa, constituindo assim a primeira instituição voltada a Estudos Europeus do Leste de referenciação latino-americana.

Nessa tradição, o olhar é dirigido sobretudo à Rússia e países da região do Mar Negro e balcânicos. Nesse complexo contextual, as interações culturais com o Oriente, em particular com a Turquia, adquirem grande relevância. Várias viagens e ciclos de estudos foram assim promovidos nas últimas décadas pela A.B.E. a países como Rússia (Veja), Ucrânia (Veja), Romênia (Veja) e Turquia (Veja).


No corrente ano, a consideração de processos culturais nessa região da Europa nas suas proximidades, seus limites e interações com a Ásia, marcada pelo encontro do Ocidente com o Oriente, assume particular atualidade por muitos motivos. Um desses é a passagem dos 100 anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial, partida do atentado de Serajevo, o que levou a estudos da A.B.E. de mudanças étnico-culturais e suas consequências globais na região adriática que pertenceram ao antigo Império Áustro-Húngaro, desenvolvidos em agosto em Ljubljana, na Eslovênia (Veja).


No corrente mês de outubro, os estudos europeus do Leste promovidos pela A.B.E. voltaram-se a contextos do Mar Negro que incluem a Rússia, a Bulgária e a Turquia.


A atualidade de estudos de processos em contextos geo-culturais do Leste justifica-se também pelas recentes ocorrências em Ialta,  visitada pela A.B.E. ainda quando pertencentes à Ucrânia, assim como pelas tensões no Leste deste país e a Rússia. Do ponto de vista cultural, a região adquiriu projeção internacional sobretudo devido aos 22° Jogos Olímpicos de Inverno em Sotschi, cidade russa às margens do Mar Negro, próxima à fronteira da Geórgia, realizados em fevereiro de 2014.


A Copa do Mundo da FIFA de 2014 trouxe à discussão na Europa a qualidade arquitetônica dos estádios construídos nas diferentes regiões do Brasil e os projetos de infra-estrutura que os acompanharam, assim como as funções futuras e os custos elevados das construções. Como em raras outras ocasiões desde a construção de Brasília, obras de arquitetura e engenharia brasileiras foram consideradas pela imprensa e comentadas quanto a seus sentidos sociais e culturais.


Pareceu ser assim oportuno comparar um outro empreendimento motivado pelo esporte e que entrou na história pelas suas dimensões e pelos seus elevados custos: o de Sotschi. Para os jogos olímpicos, levantaram-se nessa cidade do Mar Negro vários estádios e outros edifícios destinados a esportes e esportistas, alguns deles de grandes dimensões, de técnica construtiva e qualidades estéticas avançadas.


Essa área olímpica próxima ao centro de Sotschi não representa um corpo estranho na região, uma vez que dá prosseguimento à função de Sotschi como cidade projetada e desenvolvida para fins de saúde do corpo e da mente - testemunhada pelos seus sanatórios - assim como pelos elos que já sob Josef Stalin (1878-1953) foram criados com a Antiguidade de Olímpia, intento que se manifesta na arquitetura do teatro local e que sugere uma Acropolis. Particular atenção merece a cidade de jogos de Krasnaja Poljana nas montanhas do Caucaso, edificada especialmente para os eventos olímpicos, mas que pretende manter-se como principal centro de esportes de esqui da Rússia no centro das montanhas caucásicas.


Contrastando com a técnica avançada da infra-estrutura esportiva, dos teleféricos, das pistas e das rampas, a arquitetura da cidade é na sua totalidade pós-moderna, apresentando edifícios marcadas por reordenações arbitrárias de elementos estilísticos de diferentes épocas, sugerindo, porém, no seu todo, um ambiente urbano de balneários do passado. Krasnaja Poljana diferencia-se porém  de antigas estâncias, uma vez que estas foram muitas vezes centro de gestação e irradiação de tendências avançadas no pensamento, na cultura e nas artes.


Os seus edifícios marcados por colagens reconstrutivas de elementos deconstruídos de linguagens visuais e configurativas do passado, desintegradas assim de suas inserções em processos culturais, surgem como expressão não apenas do pós-moderno, mas do anti-moderno no sentido do anti-progressismo. A monumentalidade de espaços,  portais, passagens e arcadas, sugere intenções afirmativas de poder e mesmo impositivas que lembram soluções de passados totalitários. O pós-modernismo e o de-construtivismo revelam em Krasnaja Poljana problemáticos vínculos com concepções de Estado autoritário. O complexo traz à lembrança, sob outro signo, que em outras épocas os esportes também serviram à expressão e à afirmação do poder estatal, ainda que restrições de liberdade contrariem um espírito olímpico.


Tem-se aqui, pelo que tudo indica, não apenas um problema russo, mas estético ou ético-estético de dimensões globais. A linguagem visual das construções supra-dimensionadas de Krasnaja Poljana cria um ambiente artificial de palco teatral, de encenação arquitetônica gratuita e questionável sob diversos aspectos, mas que parece preencher expectativas de círculos sociais enriquecidos da Rússia. Similares complexos urbanos podem ser constatados no contexto totalmente diverso de Dubai, ali também vindo de encontro a expectativas de visitantes de posses.


A técnica avançada manifesta-se sobretudo na infra-estrutura viária e ferroviária criada para ligar esse centro nas montanhas do Cáucaso com Sotschi junto ao Mar Negro.
Diferentemente da cidade criada artificialmente, essas obras de infra-estrutura encontram-se praticamente prontas e manifestam alto grau de qualidade técnica e de engenharia. Sobretudo a via férrea, em grande parte construída sob estruturas suspensas acima de rios e vales, e que possibilita um encurtamento considerável da viagem de Sotschi às montanhas através de trens de alta velocidade, merece particular atenção como extraordinária obra de planejamento e execução viária da atualidade.


A estação central, em Sotschi, em estrutura de metal e vidro, pode ser vista como um dos mais representativos exemplos da arquitetura contemporânea de estações do presente. Não considerando a questionável encenação artificial da arquitetura da cidade nas montanhas, o complexo de Sotschi - nas montanhas e na planície - adquire o seu maior interesse pela atenção dada à infra-estrutura que possibilitará a manutenção e mesmo o desenvolvimento futuro da região como centro esportivo.


Técnica de ponta na engenharia viária relaciona-se assim de forma complexa e questionável com a não-modernidade do pós-modernismo anti-progressista e mesmo reacionário político-culturalmente manifestado em Krasnaja Poljana.




13.10.2014

Barcelona. Música als Parcs. „O canto do cisne negro“ de Villa-Lobos em jardins e o ar livre em múltiplos sentidos: coreto como símbolo de Direitos Humanos - a Glorieta à transsexual Sonia. Barcelona, como cidade que se distingue pelas suas áreas verdes, não pode deixar de ser considerada em estudos voltados ao desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental do projeto Cultura/Natureza da A.B.E..


Os jardins de Barcelona oferecem muitas possibilidades de aproximaçõe teórico-culturais na análise do paisagismo urbano. Muitas delas são consideradas pelas instituições oficiais e valorizadas na vida cultural da cidade, marcando a sua auto-imagem e da imagem que oferece a visitantes.


A fruição da natureza, do ar livre, adquire dimensões transcendentes: do ar livre da liberdade, nos seus sentidos individuais e sócio-políticos, até mesmo globais dos Direitos Universais do Homem.


Esse ar livre nos seus amplos sentidos relacionam-se com a liberdade que a Catalunha orgulha-se de ver na sua história e que alimenta anelos de maior autonomia no presente. A fruição da natureza pela população, a sua ida ao ar livre, é incentivada pela música em amplo programa de concertos em parques - o „Música als Parcs“. Esse evento realiza-se no corrente ano na sua 19a. edição em diferentes jardins da cidade, como o de La Ciutadella, la Primavera, Roserar del Parc de Cervantes ou de la Creueta del Coll.


Embora dando continuidade á tradição de bandas de música - de tanta importância na história da música urbana de Barcelina -, a programação inclui recitais, Jazz e até mesmo ópera. No corrente ano, apresentam-se 17 concertos clássicos, 18 de jazz, 4 da Banda Municipal e 5 de bandas e orquestras convidadas.


O „Música als Parcs 2014“ acentua o significado da Educação Musical, que adquire sentidos político-culturais e éticos no complexo da fruição do ar livre: o da Educação Musical a serviço da liberdade e de uma ética de defesa dos Direitos Universais do Homem.


Um desses eventos, no Turó Parc, abre com  „O canto do cisne negro“ de Heitor Villa-Lobos, executado pelo Duo Intermezzo (Violoincelo e harpa). Essa execução é apenas uma das manifestações da presença do Brasil na vida musical de Barcelona, marcada que é sobretudo por canções brasileiras em recitais e pelo 7° Concerto de aniversário dos Estudiants Barcelona Festival of Songs - um Concerto interativo entre o Brasil e Barcelona no Arts Santa Mònica.


Os sentidos mais amplos da música nos parques no sentido de liberdade evidenciam-se no parque de La Ciutadella, grande área verde de alto significado histórico e simbólico no centro da cidade. Nele se situam instituições que vinculam política, arte, ciências naturais, a botânica e o paisagismo: o Parlamento catalão, ali encontrando-se o Museu d‘Art Modern, assim como o museu zoológico e o geológico.


Todo o complexo tem o seu sentido último marcado pela história, uma vez que ali se encontrava uma citadela á época da Guerra de Sucessão espanhola no século XVIII. Com isso, a área diz respeito a um momento fundamental na consciência histórica libertária da Catalunha e que hoje adquire intensificado significado relativamente à identidade cultural (Veja notícia de 11.09). A antiga citadela surgia como um símbolo do absolutismo e da coerção, imagem negra acentuada pelo fato de ali ter sido instalada posteriormente uma prisão.


O contraste criado por esse símbolo de falta de liberdade, arrasado em 1869, e o seu uso posterior adquire assim particular força emocional. Na área realizou-se em 1888  significativamente a Exposição Mundial, emblema da liberdade, não só do comércio. A configuração paisagística do jardim traz os nomes de Josep Fontsère (1829-1897) e do arquiteto Antoni Gaudi (1852-1926), destacando-se a monumental cascata, repleta de referências simbólicas - entre elas a do dragão alado.


O Castell dels Tres Dragons, onde se encontra hoje o museu zoológico, surge como significativa obra do modernismo catalão nas suas referências a diferentes estilos e no emprêgo de diferentes materiais de construção. Os históricos elos dos anseios libertários da Catalunha com os Países Baixos se manifestam na sua construção.


Atmosfera de cunho tropical do parque é proporcionada pelos grandes exemplares de plantas tropicais nas estufas da Umbrade que, como o termo indica, procura criar condições de sombra das grandes florestas tropicais, como a do Amazonas. O edifício, em tijolos aparentes, foi realizado para a Exposição Mundial de 1888. No complexo de sentidos geral do parque, pode-se ver assim na pujança tropical das florestas brasileiras um significado de liberdade, adquirindo ao contrário a sua destruição o sentido de uma perda da liberdade e o sufoco do livre desenvolvimento nos seus múltiplos sentidos.


O significado do ar livre no sentido dos Direitos Universais do Homem, da tolerância e do respeito é tematizado expressamente pela Municipalidade de Barcelona nas suas relações com as minorias LTGB através da denominação do tradicional coreto de banda de música de La Ciutadella como Glorieta à transsexual Sonia. Em placa colocada no Coreto em sua memória e em quadro informativo nos jardins, a Municipalidade lembra do seu assassinato por neonazis no dia 6 de outubro de 1991: „La ciutat de Barcelona condemna aquest crim i rebutja qualsevol actitud o acció que vulneri els drets recollits a la Declaració Universal dels Drets Humans.“




12.10.2014

Bruxelas. Filmes brasileiros e portugueses no Festival da nova L‘age d‘or - EXPRMNTL. O prometido retorno dos anos dourados - Aquele cara de Dellani Lima 2013 e E agora? Lembra-me de Joaquim Pinto. A Cinematek de Bruxelas, instalada no antigo Jardim Botânico da capital belga (Veja notícia), realiza, de 8 a 14 de outubro, um festival que propõe um retorno do projeto  L‘Age d‘or. Essa manifestação, projetada por Jacques Ledoux tem como objetivo apoiar filmes poéticos e renovadores que, dando sequência ao filme de Buñuel de 1930, tem a intenção de romper posições conformistas no cinema e na sociedade. Agora, atualiza-se o conceito, adaptando-o à paisagem cinematográfica da atualidade, mantendo porém o espírito da pesquisa e da audácia da cinemateca real: o festival EXPRMNTL.


A programação inclui 23 filmes recentes e que são apresentados pela primeira vez na capital da Bélgica, participando da competição Prix de l‘Age d‘or.  Além desses filmes que concorrem, apresentam-se filmes mais antigos que são redescobertos (de Gregory J. Markopoulos ou da Vanguarda italiana), dos „poèmes ethnographiques“ ou da restauração de um Western. O evento compreende-se como um festival de experiências cinematográficas que vibra pela certeza que se tem na aura das imagens, na potência de sua montagem e de seus projetos, assim como do seu som.


Em competição encontra-se o filme brasileiro Aquele cara/That Guy, de Dellani Lima, de 2013 (color, 19‘): um homem dança com roupa de lantejoulas em meio da noite e do tráfego e um escritor público que difunde os seus poemas no Metro parisiense - sugerindo o ato do produtor ao consumidor.  No centro do enrêdo encontra-se um rapaz do Brasil que conta a sua breve vida em canções. Estas canções, cruas, agem como aceleradoras de partículas. Moças se beijam em ambos os lados de barreiras transparentes representadas por janelas e vitrinas, que sugerem a separação do espaço público do espaço privado.


Portugal encontra-se representado pelo filme E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto, de 2013, um especialista de engenharia do som que tornou-se destacado diretor em 1988, e que viveu com HIV durante vinte anos. Em 2011, deu início a um novo tratamento e a um novo filme. O diário filmado é marcado pela duração da enfermidade e pelo amor a seu marido Nuno, da natureza e de seus cães, surgindo como um hino à vida.




12.10.2014

Pörtschach am Wörthersee/Caríntia. Atualidade de filmes mudos. Metropolis reconstruído a partir de fragmentos encontrados em Buenos Aires - música de Stephan von Bothmer e a problemática do seu sentido político-cultural. O filme Metropolis é considerado um marco da história cinematográfica, sendo reconhecido de forma singular pela UNESCO.


Quando da sua apresentação em 1927 no Ufa-Palast de Berlim, o filme não teve boa recepção. Foi, a seguir, remontado e encurtado, nunca mais tendo sido apresentado na sua versão original. Historiadores de filmes vêm procurando cópias do mesmo em vários centros para reconstrui-lo na sua forma original. Material descoberto em 2088 em museu do filme em Buenos Aires possibilitou a reconstrução de 20 minutos dos 30 que faltavam. Esse material, em estado deficiente, foi recuperado por especialistas da Fundação Murnau e da Cinemateca alemã. Essa nova reconstrução o filme foi apresentada no ano de 2010 na Berlinale.


Essa versão restaurada foi  apresentada em setembro do corrente ano na Áustria, na cidade de Pörtschach no lago Wörthersee, ao ar livre, em grande manifestação para a qual interrompeu-se o tráfego da principal via da região. O centro das atenções foi a música criada por Stephan von Bothmar, que, ao vivo, executada pelo compositor, acompanha o filme mudo, em extraordinário esforço devido à longa duração do mesmo, intensificando e mesmo interpretando a dramaticidade do seu desenvolvimento.


O pianista vem-se destacando nesse trabalho de recuperação de filmes mudos de arquivos e de criação de trilhas sonoras para os mesmos. Ao lado de filmes mudos, o pianista colocou em música os jogos do Campeonato Mundial de Futebol, criando um show que reuniu esporte, música e drama.


O procedimento composicional de Stephan v. Bothmer baseia-se em interpretação que acentua o significado de filmes mudos nas suas relações com arquetipos psíquicos; com a música, os filmes passam a mover os fundamentos da alma dos espectadores.


Correspondentemente, a interpretação do filme Metropolis é considerada à luz de sua aproximação. Lembra-se, com razão, que o filme tornou-se um mito do século XX e, como todos os mitos, aptos a múltiplas interpretações, de modo que cada geração tem a oportunidade de novas atualizações e leituras. Nesse sentido, o filme Metropolis não se diferencia muito dos Nibelungos, tratados também pelo seu criador Fritz Lang entre 1922-1924.


Para Bothmer, o filme é um gigantesco teatro de câmara da alma. Lembra que a crítica a Metropolis se concentra na visão social reacionária que o filme transporta, em correspondência à expressão condutora „Mediador entre o cérebro e as mãos deve ser o coração“.


A interpretação que sugere é que o filme não representa uma alegoria social, mas sim uma psíquica, no qual as expressões externas seriam símbolos das internas - sendo o dominador da alma a consciência. O homem sonhador nega a sua corporalidade, simbolizada pelas mãos e pelos trabalhadores. Essa situação seria a causa de doenças psíquicas. O filme, terminando com o aperto de mãos de dominador e chefe dos trabalhadores, simboliza a aceitação do corpo pelo consciente, e o consciente mantém-se dominador da alma.


Nas reflexões que se seguiram à apresentação, salientou-se a questionabilidade dessa interpretação de von Bothmer. Os estudos euro-brasileiros que se dedicam à elucidação da linguagem visual de complexas expressões culturais - por exemplo em contextos afro-brasileiros e indígenas, ou de edifícios de imagens da Antiguidade -  vêm demonstrando que uma aproximação interpretativa psicologizante é uma possibilidade - apenas uma - instigante de leitura. O assunto foi tratado, entre muitos outros seminários e eventos, em conferência sobre Josaphat da especialista portuguesa Margarida Correa de Lacerda, assim como no Simpósio Internacional „Música e Visões sob o aspecto religioso“ pelos 500 anos do Brasil, levado a efeito em Maria Laach, em 2002 sob o patrocínio da Embaixada do Brasil na Alemanha.


O filme Metropolis apresenta evidentes referenciações religiosas - Josaphat, Maria, Apocalipse de São João, cena final perante o portal da catedral - assim como à Índia - e que podem ser apenas compreendidas considerando as discussões relativas à tradição secular da estória de vida do infante Josaphate, filho do rei Avenir da Índia nas suas diferentes atualizações, no caso no contexto político-cultural da Alemanha vencida dos anos vinte do século XX.


Uma estória de antiga proveniência e transmitida de forma cristianizada através dos séculos foi aqui instrumentalizada a serviço de uma Weltanschauung de natureza nacional-socialista e antisemita, transmitida de forma subjacente por meios artísticos. A interpretação psicologizante sugerida pelo pianista surge como altamente questionável, pois empresta a essa instrumentalização uma fundamentação antropológica, justificando arquetipicamente a Weltanschauung. Sob esse aspecto, surge também como altamente questionável a intensificação do conteúdo transportado por esse filme por meio da música de alta qualidade de Bothmer. Torna-se altamente problemático apresentar-se tal obra sem ser acompanhada devidamente por comentários de estudiosos que tenham-se dedicada a estudos mais aprofundados da propaganda subliminar da correspondente Weltanschauung político-cultural, que nem sempre decorreu de forma explícita. A UNESCO deveria rever o apoio que foi dado a esse Machwerk apesar de todas as suas qualidades dramatúrgicas.




11.10.2014

Barcelona. 1714-2014 - Tricentenário. Movimento de autonomia de Catalunha - dimensões teórico-culturais. Conceito de identidade na era da globalização - do estático ao dinâmico. As demonstrações a favor de maior autonomia  da Catalunha despertam no corrente ano a atenção internacional, em particular após o referendo relativo à separação da Escocia do Reino Unido. Levantam-se aqui questões políticas de regionalizações na União Européia, de relações entre regiões, estados nacionais e  a Europa que assumem relevância teórico-cultural sob diferentes aspectos, em particular também sob a perspectiva dos estudos euro-brasileiros, uma vez que estes se referenciam segundo o complexo europeu na dinâmica dos processos que nele ocorrem.


O debate relativo à Catalunha traz á consciência de forma exemplar este significado, pois tematiza explicitamene questões culturais, demonstrando a força de fundamentações histórico-culturais nos anelos de autonomia do presente e suas expressões como fenômeno a ser considerado em análises de processos que ocorrem na atualidade.


A Catalunha lembra no corrente ano um Tricentenário que elucida essas referências histórico-culturais na discussão e nos movimentos atuais. Em 11 de setembro de 1714, data que marca o fim da luta no então Principado, vê-se o início de uma época que tirou liberdades seculares da Catalunha e que se prolongaria até o presente.


Rememora-se aqui a Guerra de Sucessão espanhola nas suas inserções e implicações internacionais. Falecendo Carlos II sem descendentes, esse fato levou a uma situação de conflitos de dimensões globais entre os partidários de Felipe de Bourbon - pretendente à Coroa - e o Arquiduque Karl dos Habsburgs. Esse campo de tensões foi marcado pelo receio da Inglaterra, dos Países Baixos e do então Império Romano-Germânico que houvesse uma união pessoal entre a Espanha e a França sob os Bourbons, o que levou à Grande Aliança de Den Haag como poder de combate à soberania  dessa dinastia.


Em textos de instâncias oficiais da Catalunha salienta-se, no presente, que a vitória borbônica na batalha de Almansa, em 1707, representou o início da invasão da Catalunha. Nessa argumentação, a Catalunha surge como oponente ao absolutismo representado por Felipe V, lembrando que os mercadores locais aspiravam um capitalismo comercial segundo o exemplo holandês. As dimensões européias desse conflito intensificaram-se com um pacto firmado em Gênova com a Inglaterra, que facilitou o desembarco de tropas da Grande Aliança na Península Ibérica e permitiu o estabelecimento do Arquiduque austríaco com Côrte em Barcelona como Carlos III. O Tratado de Utrecht de 1713 encerrou a Guerra, mas não considerou as liberdades da Catalunha. Barcelona e Carona renderam-se em 1714, data rememorada no presente ano.


A argumentação no ano desse Tricentenário baseia-se assim em interpretação de processos históricos e de sua vigência através dos séculos até o presente. O centro das atenções encontra-se na perda do controle econômico, alfandegário, fiscal, monetário e legislativo, de garantias processuais, de inviolabilidade de domicílio e de correspondência da Catalunha. Além do mais, teve implicações culturais, quando a língua castelhana passou a ser oficial e mesmo obrigatória em instituições. A perda de um movimento que teria tido características anti-absolutistas e libertárias teria assim significado que ultrapassa as fronteiras da Espanha e dimensões globais.


O Tricentenário é marcado com vasta programação de exposições, concertos e outras expressões culturais em Barcelona. Uma ação que merece particular atenção é aquele que tematiza uma redefinição do conceito de identidade na era da globalização. Traz-se nela à consciência que uma imagem estática ou absoluta de identidade passa a ser substituída por um conceito dinâmico, em constante interações e assimilações.


Partindo desse conceito, a identidade da Catalunha é considerada sob outra luz, vista como um diálogo constante que gera novos impulsos. O projeto, da arquiteta Benedetta Tagliabue (Fundació Enric Miralles EMBT) e do cenógrafo Alex Ollé (La Fura dels Baus), reune cooperações de destacadas escolas de arquitetura e design, com o Instituto do Teatro, assim como de arquitetos de diferentes nações (Grã-Bretanha, Suiça, Irlanda, Israel, Austrália, Índia, China e Venezuela). O projeto consta de  sete instalações arquitetônicas efêmeras em praças de cunho emblemático de Barcelona (dels Àngels, de Salvador Seguí, de la Mercè, Nova, del Mar e de l‘Arc de Triomf). Com essas intervenções, os artistas incitam reflexões sobre o complexo temático que relaciona identidade, liberdade e democracia. Inaugurada no dia 10 de junho com uma obra no Parc de la Ciutadella, o conjunto de instalações considerou o tema Identidade em projeto do arquiteto Liu Xiadou (Escola La Salle), liberdade (Escola IAAC), Europa - Urban-Think Tank de Alfredo Brillembourg (Escola ESARQ), Diversidade, do Studio Odile Decq, Democracia, de Peter Cook (Praça de la Mercè) e Memória dos Grafton Architects (Escola Elisava).


Na visita às instalações promovida pela A.B.E., considerou-se que o tema proposto relativo à redefinição do conceito de identidade, de uma concepção estática a uma dinâmica, não é recente, constituindo até mesmo centro de reflexões da Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais nascida de reflexões no contexto brasileiro.


Há décadas - desde fins dos anos 60 - tem-se salientado essa problemática sobretudo na área musical, lembrando da inadequabilidade da manutenção de conceitos estáticos de música categorizada com o a qualificação de „brasileira“ em prolongamento de conceitos nacionalistas do passado, como se por toda a eternidade a imagem musical do Brasil deva que ser marcada por chorinhos, música de salão da Belle Époque e um conglomerado estético que funde elementos díspares das mais diversas épocas e contextos, sambas, schottisches, polcas, mazurcas, dobrados e muitos outros. Essa problemática vem sendo discutida nos anos mais recentes sobretudo sob o conceito de essencialização; os seus fundamentos teóricos foram porém resultados de um desenvolvimento referenciado segundo o Brasil, tendo sido debatido em seminários e simpósios que são amplamente divulgados pela Internet.




08.10.2014

Bruxelas. Museu de Instrumentos Musicais de Bruxelas - Brasil, Art Nouveau e saxofone - Expo Sax200. O Museu de instrumentos musicais da capital a Bélglica,  com as suas coleções de mais de 8000 instrumentos um dos mais importantes do gênero, foi visitado já no início do programa de estudos euro-brasileiras em 1974, seguindo-se outras visitas e cooperações.


A organologia foi um importante objeto de reflexões sob a perspectiva da renovação de perspectivas nos estudos voltados à música segundo o direcionamento das atenções a processos preconizada por movimento nascido em São Paulo e constituído em sociedade com um Departamento de Pesquisas em Musicologia, em 1968.


A ultrapassagem de modos de pensar segundo categorizações de esferas culturais relacionou-se aqui estreitamente com concepções relativas a instrumentos, também não mais considerados como de orquestra ou de música erudita, folclóricos e populares; a atenção dirigida a transformações de formas, materiais e técnicas de instrumentos no decorrer dos séculos e em diferentes contextos foi necessariamente acompanhada por análises de sentidos e simbologia.


Estudos organológicos assim compreendidos desempenharam importante papel no desenvolvimento da musicologia de orientação teórico-cultural. Após a visita ao Museu Instrumental de Berlim, em 1975, (Veja) foi o de Bruxelas um dos principais centros visitados. Importante momento nas relações com essa instituição deu-se em reunião de etnomusicólogos do Instituto de Musicologia de Colonia com especialistas do Museu Instrumental em 1976. Questões relativas a instrumentos do Brasil foram então discutidas, apresentando-se aqui resultados de pesquisas que, partindo de estudos empíricos levados a efeito no Brasil, levantavam a necessidade de revisão de classificações convencionais.


Esses estudos, exemplarmente tratados no complexo maraca/viola, contribuiram a elucidações de imagens da lira nas suas múltiplas implicações teórico-culturais e fundamentaram reflexões no Simpósio Internacional realizado em São Paulo, em 1981. (Veja).


Em 1982 e 1983 realizaram-se encontros com a direção do Museu para a organização da participação do Brasil nos Colóquios Internacionais de Influências Recíprocas entre a Europa e a América Latina, evento efetuado conjuntamente com instituições das Comunidades Européias e que contou várias edições.


No corrente ano, o Museu dirige a atenção em especial a um instrumento que é, pela sua história, estreitamente ligado à Bélgica: o saxofone. Embora registrado em Paris, o saxofone foi criado pelo construtor belga de instrumentos Adolphe Sax (Antoine Joseph Sax, 1814-1894), formado no Conservatório Real de Bruxelas. Como instrumento que, apesar de ser de metal, é classificado como sendo de madeira, vem de encontro à problemática tematizada nas discussões relativas à organologia segundo o programa de renovação de perspectivas nascido no Brasil.


O saxofone desperta a atenção da musicologia de orientação cultural não apenas pela sua extraordinária e rápida difusão, mas também por ser empregado tanto na música erudita como na popular, demonstrando a ultrapassagem de esferas como tais categorizadas. Presta-se, assim, de forma particularmente significativa para estudos orientados segundo processos culturais.


As possibilidades do saxofone na interação entre o erudito e o popular na música brasileira foram exemplarmente demonstradas em apresentações e produções de Maria Bragança, tanto em eventos na Academia Brasil-Europa no seu centro em Colonia, como no Brasil, salientando-se aqui as suas apresentações no teatro S. Pedro em São Paulo e em Paraty pelo encerramento do triênio pelos 500 anos do Brasil em 2002 e na Fundação Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, em 2004.


A visita do corrente ano ao Museu de instrumentos musicais de Bruxelas trouxe um outro aspecto dos estudos culturais relacionados com o saxofone à luz. Tendo-se considerado anteriormente em Hagen - primeira cidade do Art Nouveau ou Jugendstil na Alemanha - a importância de impulsos belgas na propagação dessa renovação estilística em fins do século XIX e início do XX (Veja notícia de 14.09.), o fato do Museu encontrar-se desde o ano 2000 instalado em edifício que representa um dos mais interessantes exemplos dessa arquitetura de Bruxelas aguça a percepção para elos contextos e desenvolvimentos culturais que se manifestam tanto na arquitetura como na história da música.


Trata-se aqui de um edifício que serviu no passado a uma casa comercial denominada de Old England. Esse edifício, de 1899, projetado pelo arquiteto Paul Saintenoy (1862-1952), significativo pela suas estruturas e filigranas ornamentais de ferro fundido e que lembram parreiras, oferece um espaço instigador para reflexões relativas a processos culturais de fins do século XIX nas suas relações com a intensificação de interesses por instrumentos musicais e concepções organológicas da época.


Nesse edifício, o museu oferece hoje exposições dispostas segundo critérios de espaço e de tempo, oferecendo possibilidades de uma viagem musical pelo mundo e pela história, relacionando também sentidos sonoros com imagológicos. Além de considerar desenvolvimentos que desde a Antiguidade levaram a formas que se estabeleceram na orquestra do século XIX, assim como novas criações, experimentais e reconstrutivas, o museu dá uma particular atenção a instrumentos de corda e de teclado. Um complexo temático especial é o das tradições organológicas em diferentes contextos culturais do globo. Sob o título de „Musicus mechanicus“ oferece-se também uma visão das coleções de instrumentos mecânicos, elétricos e eletrônicos.




08.10.2014

Bruxelas. Place du Petit Sablon: exemplo de jardim como obra de arte e objeto de estudos culturais - história, folk-lore, memória e identidade. A necessidade de reconhecimento que jardins urbanos representam em muitos casos obras de arte, e como tal necessitam ser considerados, respeitados e conservados sob a pena de perda de patrimônio cultural e artístico de coletividades, já vem sendo há muito salientada em encontros levados a efeito no Brasil e em eventos euro-brasileiros em outros países.


Muitos jardins foram como tal projetados e realizados em correspondência a concepções de séculos passados, que neles chegavam a ver até mesmo expressão máxima da arte, englobando diferentes formas de expressão. Desfigurar essas obras com reformas pouco refletidas ou renová-los segundo projetos vaidosos de modernização, permitir que se deteriorem ou truncá-las com o alargamento, abertura de ruas, edificação de vias elevadas ou estacionamentos surgem como atos de vandalismo e de empobrecimento cultural e artístico. Tais atos devem ser julgados com similares critérios daqueles que valem para a destruição de uma pintura, de uma escultura ou de uma partitura musical.


Essa temática, retomada no âmbito dos atuais estudos do projeto Cultura/Natureza da A.B.E. no exemplo do antigo Jardim Botânico de Bruxelas (Veja notícia anterior), foi ampliada com a visita a um outro jardim da capital belga: aquele da Place du Petit Sablon.


Esse jardim - para além de constituir obra de arte - surge como modêlo por excelência do significado científico-cultural de configurações paisagísticas de espaços urbanos. Também esse tema já foi anteriormente tratado em cidades brasileiras, em especial em praças e largos que apresentam referências explícitas à história local e regional através de monumentos, esculturas e representações pictóricas em azulejos e mosaicos e que sugerem outras formas de leitura daqueles que apresentam figuras mitológicas.


Nesse sentido, considerou-se entre outros o Largo da Memória, em São Paulo, no âmbito do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais pelos 450 anos de fundação da cidade, em 2004, com estudantes do curso „Urbanismo e música“ da Universidade de Bonn, e, mais recentemente, em 2013, o da „praça da biquinha“ em São Vicente, com as suas referências ao Pe. José de Anchieta, após diálogos no Museu Histórico Martim Afonso (Veja notícia).Em ambos os casos, a atenção foi dirigida a concepções de história e do historicismo na formação da consciência cultural de cidades e do Estado.


O jardim da Place du Petit Sablon oferece aqui um exemplo anterior a esses casos brasileiros, distinguindo-se não apenas pelo extraordinário número de seus monumentos a personalidades históricas e figuras de tipos humanos como também por encontrar-se ainda envolto em ambiente edificado que mantém as proporções apropriadas para a sua leitura, não sendo sufocado, como nos casos brasileiros, pelos edifícios de muitos andares que desfiguram a configuração espacial do todo.


Esse jardim, pela sua localização, oferece em primeiro lugar possibilidades de compreensão mais sensível da disposição urbana de Bruxelas. Situado em região elevada, da qual de uma fonte originava-se o córrego que corria em direção ao vale do Senne, o seu percurso corresponde hoje àquele das ruas que se dirigem às partes baixas da região. Significativamente, entre o Grand Sablon e o Petit Sablon eleva-se uma igreja de dedicação mariana - a Notre-Dame du Sablon - que é um dos principais monumentos da arquitetura gótica belga.


O jardim foi inaugurado em 1890. No seu centro elevam-se grandes monumentos aos condes de Lamoral von Egmond (1522-1568) e Philippe de Montmorency (1518/1526-1568), representando-os pouco antes de serem executados em 1568. Com isso, o local tem o seu sentido marcado pela luta contra a dominação espanhola dos Países Baixos, apresentada como poder da política anti-reformatória, da Inquisição, da opressão e do reacionarismo católico, denotando assim o sentido político-cultural do jardim e esclarecendo os seus elos com a política liberal da época em que foi construido.


Se uma apreciação superficial do mesmo poderia dar a impressão de conservativismo e mesmo Kitsch, uma leitura mais aprofundada revela sentidos liberais e progressistas da época de sua construção.


O monumento a esses heróis da resistência contra os espanhóis e da Independência foi originalmente levantado no local da execução em 1864, sendo transferido em 1879 ao Petit Sablon. O estilo neo-renascentista do monumento não corresponde apenas à época de vida dos representados, mas adquire um sentido mais abrangente, o de ponte com o Renascimento como movimento conotado como de abertura, voltado ao futuro.


O principal elemento caracterizador do jardim é o conjunto de 48 figuras que se encontram acima de altos pilares entre as grades artísticas de ferro que o rodeiam. Essas figuras não representam heróis, mas sim tipos humanos que simbolizam corporações de ofícios e profissões do passado. Sendo representados com atributos, essas figuras surgem como de grande interesse tanto para os estudos de história da arte - em correspondência escultórica às cenas e tipos populares do século XIX na pintura - como também para os estudos da vida, das artes e técnicas populares na visão da época.


Digno de menção é o fato de serem aqueles que trabalhavam na pedra, os escultores, representados por „quatro coroados“, com símbolos de maçonaria: compasso e outros instrumentos de trabalhos. Dentre as muitas profissões representadas, encontram-se padeiros, tecelões, molineiros, marceneiros, verdureiros, barbeiros e cirurgiões, vendedores de vinho, relojoeiros, barqueiros, costureiros, mercadores de lã, tintureiros, cordoeiros, vendedores de peixes, peruqueiros, chapeleiros e curtidores. O jardim oferece com essa representação quase que teatral da organização da sociedade segundo profissões um verdadeiro receituário de atributos relacionados com profissões e tipos humanos, o que adquire interesse para estudos de cultura popular, em particular também daqueles de expressões tradicionais que apresentam referências a profissões ainda constatadas no Brasil.


O jardim foi projetado pelo arquiteto Henri Beyaert (1823-1894), autor de obras que marcam a fisionomia de cidades belgas e que, unindo a arquitetura à erudição, tanto histórica como a de pesquisa de tradições, tornou-se importante representante do estilo neo-renascentista flamengo. Esse estilo apenas pode ser compreendido adequadamente considerando as suas dimensões político-culturais na formação da consciência nacional. A restauração de edificios históricos, a conservação patrimonial, e a história das artes uniam-se aqui à criação na tradição de Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879).


Sob essa perspectiva, não surpreende o fato de ter o arquiteto integrado elementos dessa renascença da renascença flamenga em obras com outras referências estilísticas, neoclássicas ou neobarrocas, uma vez que, com esse procedimento, nacionalizava-as. A sua obra traz à consciência, assim, que o emprestar indiferenciadamente a etiqueta desqualificadora de ecleticismo a obras de arquitetura, de jardins e mesmo de encenações paisagísticas é por demais superficial, impedindo análises mais profundas e levando mesmo a interpretações errôneas quanto a seus sentidos e suas inserções político-culturais.



08.10.2014

Bruxelas. O Centro Cultural da comunidade francesa de Bruxelas e da Valonia no antigo Jardim Botânico, a Vitoria Regia e o Jardim de Iris - filmes brasileiros. Dando continuidade aos estudos do programa Cultura/Natureza da A.B.E. do corrente ano (Veja notícias anteriores), foram visitados jardins e parques de Bruxelas. Também aqui as reflexões foram guiadas no sentido de contribuirem ao desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental, vindo de encontro ao interesse atual pela comparação de situações e atmosferas urbanas nas suas relações com a natureza com a finalidade última de melhoria da qualidade de vida do homem.

Um dos jardins considerados foi o do Antigo Jardim Botânico de Bruxelas e que pode ser visto como um exemplo de situações conhecidas de outros contextos - inclusive do Brasil: o da amputação de partes de antigos jardins e parques com a abertura de vias de trânsito no decorrer do século XX.


A história do jardim também lembra a de muitos outros que nasceram do saneamento e tratamento paisagístico de regiões baixas e marginais do núcleo urbano (podendo-se aqui lembrar da antiga Várzea do Carmo transformada em Parque D. Pedro II em São Paulo).


O Jardim Botânico de Bruxelas foi construido numa larga faixa de seis hectares entre duas portas da cidade, a de Schaerbeek e a de Colonia, substituindo um antigo jardim de doentes de peste que se situava numa baixada de várzea, com lagoas, arbustos, campos e hortas de verduras, e à qual corria um riacho. O plano foi criado pelo arquiteto Charles-Henri Petersen (1792-1859), reelaborado posteriormente pelo fundador da Sociedade de Horticultura. A sua festa de inauguração deu-se em 1829. Em 1870, o Estado assumiu o Jardim, comprometendo-se a manter o panorama e a sua destinação como passeio público. Mesmo assim, a área passou por sucessivos cortes devido a projetos viários, o que é considerado hoje como ato de vandalismo perante uma obra de arte paisagística.


O monumental edifício do Jardim Botânico foi construído entre 1826 e 1829 segundo projeto do renomado arquiteto Tieleman Frans Suys (1783-1861) e P.-F. Gineste, tendo passado por reformas posteriores. O projeto permitem que se reconheçam características das Orangeries do século XVIII. Marcado pela disposição simétrica de duas alas que terminam em pavilhões de cada lado de rotunda central, envidraçado, lembra a sua função original de abrigo e conservação de planas exóticas durante os meses de inverno europeu.


Em 1939, a maior parte das coleções de plantas foram transferidas para o Jardim Botânico em Meise. O jardim, cortado e diminuido pela construção da via Norte-Sul da capital belga, foi remodelado em 1953 segundo projeto do arquiteto René Pechère (1908-2002).


Uma das preciosidades do antigo Jardim Botânico - hoje já não mais existente - estabelecia um vínculo com a Amazônia: a estufa aquática que abrigava a Vitória Regia. Tratava-se de um exemplar de grandes dimensões, cujas folhas, de dois metros de diâmetro, eram capazes de sustentar uma criança. Também esse exemplar foi transferido para o Jardim Botânico de Meise. A estrutura de metal e vidro para abrigá-la e na qual a água encontrava-se constantemente aquecida, foi construída em 1879 por Alphonse Balat (1819-1895, arquiteto de Leipoldo II (1835-1909).


A Vitoria Regia constituia um dos atrativos de Bruxelas, sendo motivo de cartões postais, caracterizando singularmente a capital da Bélgica. A flor que constitui emblema da cidade, porém, é a Iris, planta que crescia nas margens de várzea do rio Senne. No local do córrego que corria da antiga estufa Victoria até uma lagoa na baixada, construiu-se um Jardim de Iris.


No seu centro, encontra-se a única escultura de pedra do Jardim: a jovem moça salva das águas. Ao redor da água, crescem diferentes tipos de iris e outras flores, sendo o local muito visitado no mês de maio pelos seus efeitos multicoloridos.


A disposição do jardim e o tema da figura esculpida indicam sentidos poéticos da transformação de zona aquosa de várzea em jardim cultivado quando da instalação do Jardim Botânico segundo uma antiga imagem que possibilita amplas associações: a do levantamento das águas de uma jovem apresentado como ato de salvação.


Uma das áreas do complexo foi projetada como Jardim Italiano, tornando-se este também um dos atrativos da capital da Bélgica. O Centro Cultural instalado no antigo edifício da Orangerie mantém o seu interior marcado por plantas tropicais. Nele se apresentam concertos, exposições e filmes, destacando-se, no corrente ano, produções brasileiras.



07.10.2014

Bruxelas. Biblioteca Real da Bélgica - Shock/ 1914 - e literatura sobre o Brasil. A Biblioteca Real da Bélgica, instalada no monumental edifício da Albertina no „monte das artes“ de Bruxelas,  tem por objetivo primordial colecionar e conservar obras editadas na Bélgica, publicações sobre a Bélgica lançadas no Exterior e aquelas de autores belgas. O seu fundo é de significado sob a perspectiva dos estudos euro-brasileiros sobretudo para a constatação de obras publicadas na Bélgica referentes ao Brasil e, assim, para análise de relações culturais multilaterais. Essa literatura é completada pela documentação da União Européia e da UNO ali conservada. Não apenas devido à amplidão de seus acervos, mas sim também devido às contínuas aquisições, o conhecimento dos fundos conservados na biblioteca necessita ser regularmente atualizado.


No corrente ano, em estudos promovidos pela A.B.E., foram considerados e comentados entre outros obras genéricas de De Prins Bart et alii (Brasil: cultures and economies of four continents), Marcel Bayer (Brazilie= mensen, politiek, economie, cultuur), Luc Van Krunkelsven (Brazilie= Spiegel van Europa?), livros de arquitetura e artes, entre outros Paul Meurs et alii (Expo 58 - the Brasil pavilion
of Sergio Bernardes), o relato de experiência de vida no Brasil  de Félice Debloudts (Een jungle tralies en beton) e, sobretudo, livros de interesse etnológico relativo a culturas indígenas, entre outros estudos de Nathalie Pétesch (La pirogue desable: pérennité cosmique et mutation sociale chez les Karaja du Brésil central, 2000) e de Ineke Holtwijk (Rooksignalen: Op zoek naar de latste verborgen indianern in Brazilie, 2009).


Entre os artigos de periódicos comentados, deu-se atenção crítica a textos de Nadya Araújo Guimarães („La brésilianisation de l‘Ocident?“ Tiers-monde, Univ. de Paris I, 2007,Nr. 189; 155-174) e Jean-Francon Veran („L‘Afro-bresilianité aujourd‘hui: un modèle d‘integration“, Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien 2010,75/0, 25-48). Considerou-se neste contexto um texto publicado em Le Monde diplomatique já em 1996 de título „Balkanisation ou brésilianisation“ (S.H.) (43, N° 504,12).


Sob o aspecto musicológíco, a Biblioteca assume extraordinária relevância, tendo tido como um de seus bibliotecários Édouard Fétis (1812-1909), historiador da música que, pela abrangência global de seus trabalhos, merece hoje ser redescoberto e revalorizado. Da literatura mais recente, discutiu-se Music and dictatorship in Europa and Latin America, Turnhout 2009, Speculum musicae 145, editado por Roberto Illiano/Massmiliano Sala. Relativamente a partituras de autores brasileiros registradas nos últimos anos na seção musical da biblioteca, foram consideradas obra de Marlos Nobre e várias composições de Gilberto Mendes.


A biblioteca conduz grandes projetos, tais como catálogos de impressos de Bruxelas, de regionalidade comparada a partir de moedas, as Europeana Collections 1914-1918, a Europeana Regia, Europeana Newspaper, e os grandes projetos de fontes musicais RILM e RISM.


A programação da biblioteca do corrente ano é marcada em grande parte pela passagem dos 100 anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial e é sob este aspecto que os trabalhos referentes ao Brasil se processaram. Na exposição Shock! 1914...a biblioteca coloca a questão aos visitantes: e se a guerra começar amanhã? O objetivo foi o de apresentar documentos das coleções - também dos Arquivos Gerais do Reino e do CEGES para trazer à memória os trágicos dias da guerra, do verão ao outono de 1914. Outros eventos relacionados apresentam livros de fotografias com ruínas e tratam do papel dos meios de comunicação na Guerra e nos outros choques do século XX.


Nesse contexto, o principal escopo dos trabalhos promovidos pela A.B.E. foi o de levantar obras publicadas na Bélgica sobre o Brasil nos anos que imediatamente precederam a Guerra, assim como publicações que indicam conhecimentos relativos ao Brasil na época. A atenção foi dirigida sobretudo a impressos da Mission Brésilienne de Propagande et d‘Expansion Économique d‘Anvers conservados na Biblioteca, entidade que também foi alvo de considerações em Antuérpia (Veja notícia anterior). Os resultados dos trabalhos serão divulgados na Revista Brasil-Europa.



05.10.2014

Antuérpia/Bélgica. 1914-1918. Cem anos da Primeira Guerra mundial e os brasileiros em Anvers - Antuérpia constrói pontes - a „ponte da paz“. A passagem dos cem anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial no corrente ano deve ser considerada por vários motivos nos estudos relacionados com o Brasil.


A Guerra representou o fim da antiga Europa, de uma antiga ordem, não só relativamente aos limites nacionais, mas em muitas esferas da vida, da cultura e das ciências, de consequências diretas e indiretas para o Brasil. País possuidor de grandes contingentes de imigrantes alemães e de regiões que tinham pertencido ao antigo Império Áustro-Húngaro, tendo porém as suas elites intelectuais e artísticas em grande parte orientadas segundo a França, a Guerra européia não poderia ter deixado de ter grande impacto no país.

Esses impactos têm sido considerados sobretudo relativamente às dificuldades nas regiões de língua e cultura alemãs nos Estados do sul do Brasil, em particular após a entrada do país na guerra. Pouco tem-se considerado, porém, a situação dos brasileiros na Europa, uma vez que em vários centros estudavam, viviam e atuavam brasileiros, estando integrados em círculos sociais e em rêdes do comércio, da cultura e das ciências.


Este é o caso de Antuérpia, na Bélgica, onde o Brasil mantinha uma Mission Brésilienne de Propagande et d‘Expansion Économique que desenvolvia amplas atividades de difusão de conhecimentos sobre o Brasil, promovendo conferências e editando obras e, sobretudo, tecendo rêdes de contatos e de conquista de amigos e simpatias em círculos influentes.


Para considerar esse passado, a A.B.E. deu início no dia 3 de outubro a um ciclo de estudos em cidades e instituições da Bélgica, no sentido de levantar fontes e analisar a atual aproximação belga a esse trágico passado.


A primeira parte desse ciclo pôde ser encerrado no corrente dia 5 com a presencição de parada histórica pelo centro de Antuérpia com participantes trajando uniformes e armas da época, a cavalo ou em veículos também históricos, trazendo canhões, cozinhas de campo e aparelhos, oferecendo um quadro vivo da partida de soldados para os combates. Essa parada foi preparada pelo Museu Real da Armada e História Militar, que se dedica à conservação de documentos e objetos da Guerra, realizando pesquisas, cursos e outros eventos, a fim de manter a memória viva desse trágico passado na população.


A programação incluiu exposições em museus, ao ar livre, conferências, excursões guiadas pela cidade e um programa educacional. Três temas centrais determinaram os eventos: a história, fugidos e exilados, e arte de vanguarda. Grande multidão dirigiu-se ao rio Schelde para atravessar o pontão reconstruido sobre 25 barcos por forças de elite belgas e dos Países Baixos. Essa ponte foi construída às pressas a partir do dia 2 de agosto de 1914, dois dias antes da entrada dos alemães na cidade. Ela passou a ser utilizada diariamente, possibilitado a passagem de tropas, de material, munição e canhões; alguns daqueles que haviam defendido a cidade puderam atravessá-la antes que fosse incendiada. Ferry boats não seriam suficientes para a fuga da população.


Antuérpia contava com uma antiga tradição de construção de pontes. Já em meados do século XIX, devido à sua posição que facilitava a defesa, a cidade era considerada como um reduto nacional, local de refúgio de autoridades do reino e dos militares em caso de guerra, o que exigia, porém, poder ser suprida a partir do outro lado do rio.


A reconstrução da ponte é compreendida como um símbolo que relaciona o passado, o presente e o futuro. Ela é vista como uma ponte entre gerações, de uma ponte de guerra (1914) a uma ponte de paz (2014).


Em exposição de painéis na praça principal de Antuérpia, tematiza-se a destruição cultural que guerras causam ainda hoje em diferentes regiões da terra. Apresentam-se fotografias de palácios e mesquitas destruídos no Afganistão, na Palestina e em outros países. Lembra-se também da cooperação internacional na reconstrução de monumentos, como na Cambodja. Um aspecto salientado é o da destruição de fontes escritas, de manuscritos, pergaminhos e livros, assim como a importância de projetos de digitalização de documentos para a salvação da memória e dos conhecimentos de povos e da humanidade.




03.10.2014

La Turbie/França. O Trophée de Augusto no seu significado para estudos de harmonizações de imagens de diferentes contextos. Os estudos de relações Antiguidade/Cristianismo surgem como de fundamental significado para o esclarecimento não apenas de antigas culturas nas transformações por que passaram ao ser cristianizadas, mas também para análises de um edifício cultural de visão do mundo e do homem que em diversas contextualizações e referenciações mitológicas possuia estruturas e mecanismos similares.


São essas estruturas e elementos comuns que permitem compreender e analisar o sincretismo da Antiguidade Tardia, também conhecida como Ecumene sincretística, ou a harmonização romana de divindades de povos subjugados. Tratar-se-ia de um sistema de concepções e imagens que possuiam em si potencialidades harmonizadoras, sendo no processo cristianizador referenciados segundo a narrativa bíblica. Esse processo torna compreensível a cristianização de tão numerosos povos por tão poucos missionários. Esse edifício cultural pode ser compreendido como resultado da experiência também comum de diferentes povos do ano natural do hemisfério norte nas suas múltiplas associações, em particular nas suas relações com as constelações. Se essas harmonizações e metamorfoses foram possíveis, então também foram possíveis permanências, revitalizações espontâneas ou resultantes de erudição, talvez até mesmo de-cristianizações. Esse estudo surge assim como básico para a análise de expressões culturais tradicionais transmitidas através dos séculos, danças, folguedos, cortejos, instrumentos musicais, mas também de cultos de santos ou daqueles considerados como sincretísticos, ou seja para o esclarecimento de um patrimônio cultural que se mantém particularmente vivo no Brasil.


Compreende-se, assim, que esses estudos de relações Antiguidade/Cristianismo - que vêm sendo desenvolvidos há muito em institutos especializados, em especial na Alemanha -, tenham marcado desde 1974 os trabalhos eurobrasileiros. Retomá-los constantemente em diferentes contextos tem sido constante preocupação. Êles adquirem significado nos atuais intentos de desenvolvimento de estudos culturais de orientação ambiental do programa Cultura/Natureza da A.B.E. pelas relações do antigo edifício de concepções e imagens com a observação da natureza e conhecimentos dela derivados, em particular filosófico-naturais relacionados com os elementos.


Um dos caminhos para o aprofundamento das análises é o de considerar o processo de romanização de divindades dos diferentes povos subjugados e integrados no Império. No caso das divindades da Gália, esses estudos podem ser desenvolvidos em vários museus, mas o marco emblemático desse processo transformador pode ser visto no Trophée de La Turbie. Esse local, devido à sua posição geográfica, elevada, podendo ser avistado por navegadores no Mediterrâneo, foi consagrado pelos diferentes povos à imagem do homem que alcançou ou recuperou o seu mais alto grau de soberania  segundo diferentes tradições: Melkart para os fenícios, Abbelio para os ligúrios e Heracles/Hercules para os gregos e romanos.


Ali o imperador Augusto ergueu um grande monumento-símbolo de sua vitória sobre grande número de tribos da Gália: o Troféu dos Alpes ou Troféu de Augusto, símbolo da „pacificação dos Alpes“, ocorrida entre 25 e 14 a.C.. Ele tornou-se o ponto mais alto da via Julia Augusta, que vinha da Itália e se dirigia à França. Como lembrado em lápide local, a região de La Turbie constituia o marco-limite entre a Itália e a Gália, o local onde terminava a uma esfera e começava outra. Se nos trabalhos eurobrasileiros desenvolvidos na Rumênia considerou-se o Troféu de Admclisi em honra a Trajano levantado em campo de batalha (Veja), o Troféu de Augusto surge como mais monumental e mais impressionante na sua localização. A edificação apresenta assim um significado mais abrangente do que aquele meramente arquitetônico de um monumento que foi em parte reconstruído no início do século XX.



02.10.2014

Eze/França. Dimensões religiosas do feminino no paisagismo dos jardins de Eze à luz de tradições brasileiras - a pulcritude de Maria e o perfume do Espírito. Se a medieval cidade provençal de Eze à beira do mar Mediterrâneo, emoldurada pelas montanhas alüino- marítimas, não pode deixar de ser considerada em estudos culturais voltados a relações entre Cultura e Natureza pelo significado de seus jardins,  as conotações femininas a ela atribuídas (Veja notícia anterior) exigem reflexões mais aprofundadas.


Essas podem ser mais facilmente conduzidas por aqueles que se dedicam a estudos de tradições e suas linguagens visuais ainda vivas no Brasil. Para os numerosos visitantes que hoje fazem dessa pequena cidade uma das mais procuradas atrações da Côte d‘Azur, a grande movimentação nas pequenas ruas e nos jardins criados ruinas áridas da antiga fortaleza colocam obstáculos à percepção mais profunda de sentidos de seus espaços.


A cidade é percebida em geral apenas na sua parte alta, sendo pouco considerada nas suas partes baixas, junto ao mar. É o mar, porém, que oferece o ponto de partida para a compreensão de um movimento ascensional à montanha onde se encontra a cidade e, nela a igreja de Nossa Senhora da Assunção.


Tem-se, aqui, uma situação e um complexo de imagens e sentidos conhecidos e estudados em diferentes contextos no Brasil, na Europa e em outras regiões. A dedicação mariana da matriz de Eze surge como significativa e coerente nos seus elos com a paisagem. Ela pressupõe, nas alturas, os fundamentos desse movimento ascensional que se encontram na tradição do mistério da Imaculada Conceição e da Purificação de Nossa Senhora - Nossa Senhora da Luz - que, na linguagem visual transmitida em muitas formas de expressão festivas, relaciona-se com as águas do mar.


Contemplando-se a cidade com a igreja da Assunção a partir de baixo, da beira-mar, percebe-se que a topografia e a paisagem urbana construida corresponde à imagem expressa na Gênese do surgimento do sêco das águas no terceiro dia, nela nascendo plantas com frutos que trazem sementes e que tem a sua expressão no jardim criado nos altos. A reconfiguração mais recente desses jardins ganhou em sentidos com a colocação de fontes e repuxos, reforçando assim meditações relativas à água doce que corre.


O „mistério da feminilidade“ tratado nas esculturas nesses jardins parece não estar suficientemente elucidado com a menção a divindades da terra, devendo ser antes considerado com relação à água e à luz. A expressão conferida pelo artista às obras não despertam associações com a imagem da terra árida que se tornou fértil, uma vez que as suas figuras apresentam linhas diáfanas, marcadas por expressões serenas e distanciadas de pureza, o que, de resto, parece corresponder a ideais estéticos da região, em particular do Monaco. Essas plásticas correspondem sobretudo ao ideais de simplicidade, despojamento e modéstia que marcaram no passado medieval um distanciamento ao mundo e que marcou Eze.


A mais extrema forma desse posicionamento perante o mundo externo seria a penitência, testemunhada em Eze na capela de Santa Cruz dos penitentes brancos. Esses valores da modéstia e simplicidade são sobretudo também valores franciscanos, cuja presença em Eze se manifesta em grande pintura na igreja da Assunção. É significativo que ao lado dessa igreja se levante uma das figuras femininas do artista, estabelecendo aqui uma direta relação.


O movimento ascensional que caracteriza Eze nessa leitura de sentidos, porém, apenas tem a sua fundamentação no „Espírito que pairou sobre as águas“ e que surge como o motor da vitalização e movimentação da matéria. Concepções relacionadas com o Espírito Santo surgem assim como fundamentais para a compreensão de sentidos de Eze. Assim considerando, compreende-se o significado do perfume, do odor de santidade sempre decantado pelos franciscanos e que hoje ainda se pode constatar em Eze. As estátuas femininas dos jardins não deveriam ser assim contempladas, mas antes sentidas metaforicamente pelo perfume que irradiam. Só que hoje esse sentido adquire expressões muito concretas e mundanas: assim como Capri, encontram-se nos espaços de Eze vendedores de sabonetes e essências perfumadas, tendo-se ali estabelecido representações de firmas de perfumes de renome, tudo muito chic.



01.10.2014

Eze/França. De Isis a Eze. Les Jardins d‘Eze na Provence-Alpes-Côte d‘Azur sob o signo da feminilidade. Questões de Gênero em paisagismo de orientação cultural. Os estudos eurobrasileiros de jardins, parques e construções de paisagens que vêm sendo desenvolvidos em diferentes contextos com o objetivo do desenvolvimento de estudos culturais de condução ambiental não poderiam deixar de dar particular atenção à Côte d‘Azur, pelo significado que os jardins e parques desempenham na vida e na imagem de muitas cidades dessa região.


A presença de vegetação tropical e subtropical ali aclimatada e que empresta conotações construidas culturalmente à natureza mediterrânea desperta a atenção do observador brasileiro pela similaridade de ambientes que constata, apesar de todas as diferenças.


A qualificação de „exótico“ que se encontra em importantes jardins botânicos da região, entre êles o de Monaco e o de Menton (Veja noticias anteriores), manifesta de forma evidente as relações dessas obras de jardinagem e de construção de paisagens com posições do observador e suas relações com o Outro. Este é aclimatado e considerado como enriquecimento, não mais podendo ser dispensado.


Um exemplo particularmente importante de jardins que valorizam e dialogam com a paisagem e com as urbes é Eze, que também se auto-designa Les Jardins d‘Eze. Trata-se de uma pequena localidade de antigas origens e fisionomia medieval situada em posição elevada acima de costas abruptas do mar, hoje procurada por visitantes de todas as partes do mundo pela beleza de sua situação e pelos seus jardins.


A cidade orgulha-se de ter sido a sua paisagem escolhida por príncipes e artistas de cinema, impressionando-os com as montanhas e seus flancos, assim como por numerosos escritores e literatos, entre êles Félicité de Genlis (1746-1830), governante dos filhos de Louise-Marie Adélaide de Bourbon Penthièvre (1753-1821) que fêz a sua viagem pelo local em liteira em 1780 ou George Sand (1804-1876), que em 1868 designou a paisagem local como a mais completa, a melhor composta que tinha visto. O nome mais significativo daqueles que se impressionaram com a localidade é o de Friedrich Nietzsche (1844-1900), que ali encontrou inspiração para a sua obra Also sprach Zarathustra, fato lembrado em via que traz o seu nome. Fotografias do local serviram à encenação de numerosos filmes e programas de televisão, nos quais participaram produzentes e artistas como Alfred Hitchecock (1899-1980), Grace Kelly (1929-1982) e Cary Grant (1904-1986). Além de nomes dos esportes e do show-business, em Eze residiram entre outros o Príncipe Guilherme da Suécia (1884-1965) e os artistas Alain Delon e Romy Schneider.


As origens do jardim remontam - como a descoberta do Parvis de S. Michele em Menton (Veja) - a fins da década de 40. Também aqui constata-se o intuito de valorização de um local histórico, no caso do terreno árido de ruínas da fortaleza medieval. O prefeito da época valorizou a aridez do terreno dessas ruínas transfigurando-o em jardim, no qual foi auxiliado por Jean Gastaud do Jardin exotique do Monaco. Para além da edificação de terraços, planos e canteiros, plantou-se grande quantidade de espécies, em particular suculentas. Um dos exemplares plantados, muito raro, tinha já 130 anos e pesava ca. de meia tonelada. Numa segunda fase, motivada pelo sucesso do empreendimento, o jardim foi enriquecido com outras espécies. Há dez anos, foi reconfigurado, criando-se fontes, espelhos d´‘agua e esculturas, áreas menores, reclusas, dedicadas à contemplação e à meditação com base em informações e impulsos fornecidos em placas temáticas, com textos e imagens distribuidas pelos caminhos.


O percurso temático é o seguinte: De Isis à Eze; Da fortaleza medieval ao jardim d‘Eze; As plantas suculentas; Cactos ou euphorbes?;  Entre culturas florais e culturais tradicionais; A cada planta a sua cor; Agaves ou aloas?; As paisagens eleitas por príncipes e escritores; O castelo Balsan e a Cabeça do Cão; A igreja Nossa Senhora da Assunção; Um local de carga histórica; Do terreno militar ao parque natural; O viaduto d‘Eze dito ponte do Diabo; As deusas da terra de Jean-Philippe Richard; Um balcão sôbre o Azul; Eze e a arquitetura tradicional; A capela dos penitentes brancos; Uma pequena estação balneária com o charme da Belle Epoque; O castelo de Eza e a porta dos mouros e A água, um tesouro precioso.


Esses 20 temas manifestam claramente o intento de relacionar cultura e natureza sob diversos aspectos. Numa primeira aproximação, essas relações surgem tematizadas sobretudo no complexo  relativo à persistência de culturas florais usadas para perfumes na região do Grasse e de Nice no seu desenvolvimento junto a culturas tradicionais como a da oliveira, de frutos e legumes, figos, nozes ou vagens cultivadas em terraços, um trabalho no qual os habitantes locais utilizavam de animais de carga, em particular mulas. Essa aproximação, mais conhecida e difundida em museus regionais, de vida, de artes e técnicas de trabalho ou folclore, não esgota, porém, o vasto espectro temático sugerido pelas placas no percurso do jardim.


Sob o pano de fundo do tratamento de questões de Gênero em estudos músico-culturais sob a perspectiva eurobrasileira desenvolvidos em trabalhos do ISMPS e que levaram a seminário na Universidade de Bonn, há 10 anos, deu-se particular atenção ao primeiro tema: de Isis a Eze.


Esse tema refere-se à hipótese da origem mitológica do nome Eze, que seria derivado da deusa Isis, divindade egípcia que teria sido venerada na região pelos fenícios. Essa elucidação do nome Eze dirige a atenção a leituras e interpretações de sentido do local segundo divindades femininas da terra e que têm a sua maior expressão em esculturas de Jean-Philippe Richard, criadas a partir de 1990.


Esse artista dedica-se a „explorar os mistérios da feminilidade“. As suas esculturas de divindades da terra estão dispostas pelo jardim, acompanhando o percurso dos visitantes e oferecendo referências à contemplação do meio ambiente e do mar: „Délicates, sensuelles et mystérieuses, ces déesses de terre côtoient avec harmonie les plantes du Jardin d‘Eze“. Elas sugerem, em correspondência ao árido da antiga fortaleza em ruínas à pujança do jardim, a transformação da terra sêca e velha em divindades da fertilidade através de uma ação imaterial, expressa poeticamente como sendo proveniente do céu estrelado.


Essa menção a Isis estabelece relações com concepções e imagens de um  culto amplamente difundido na área do Mediterrâneo e que foi de central importância no Ecumenismo sincrético da Antiguidade Tardia e no processo de cristianização em referenciação bíblica. Entre outras hipóteses de origem do nome, indica-se aquela que sugere uma derivação do nome do deus galo Esus. Os estudos eurobrasileiros que vem sendo desenvolvidos na área Cristianismo/Antiguidade indicam que não haveria contradições fundamentais nas referências às duas divindades. Neste sentido, é significativo que nas proximidades de Eze se encontre uma monumental ponte conhecida como ponte do diabo, indicando a sobrevivência na tradição popular de imagens de conotações demoníacas e mesmo de antigos sacrifícios de um deus relacionado com a fertilidade e o crescimento vegetal. Os estudiosos brasileiros, que conhecem concepções e práticas que relacionam Da e Exu têm menos dificuldades em compreender tais conexões e sentidos.








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Direção geral: Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia, Alemanha



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